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As transformações da família

Ascom

Publicado no Jornal O Tempo no dia 26/2/1997

As relações sociais mais íntimas são justamente as que mais estão sujeitas à eclosão de conflitos. Por isto mesmo é que as relações familiares são intrincadas e complexas. Há aí uma constante polaridade e amor e ódio nem sempre são excludentes. Mas assim é o ser humano. Assim são os vínculos familiares.

Fala-se muito, ainda, em crise de desintegração da família. Há quem atribua isto ao grande número de separações e divórcios. Outros querem responsabilizar os meios de comunicação, pela divulgação sem censura de uma certa liberalização das relações sexuais etc, etc. É certo que a família hoje está muito diferente daquela do início do século. Estamos vivendo um processo histórico importante de transformação, onde a quebra da ideologia patriarcal impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes. Mas não se pode falar em desagregação. É irrefutável a premissa de que a família é, foi e será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que torna-se possível estabelecer todas as outras relações sociais, inclusive os ordenamentos jurídicos.

A Constituição Brasileira de 1988 absorveu esta transformação, e expressou em seu art. 226 a evolução de que a família no limiar do terceiro milênio é plural e não mais singular. Em outras palavras, existem hoje várias formas de constituição de família: pelo casamento, pela união estável (concubinato) e pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Apesar da clareza do texto constitucional, alguns operadores do Direito resistem em entendê-lo e insistem em considerar como família apenas aquela constituída pelo casamento. É quase inacreditável! É que estes guardiões da moralidade não podem voltar seu olhar para a realidade e ver, por exemplo: no Brasil, 55% das uniões entre homens e mulheres, no meio rural, constituem-se sem o selo da oficialidade, ou seja, vivem em concubinato (união estável). As famílias constituídas apenas por um dos pais e seus filhos é cada vez maior. Os meninos de rua escancaram uma realidade de vínculos familiares e afetivos, que fogem totalmente aos padrões aos quais estamos acostumados.

As mudanças são mesmo difíceis. Admiti-las significa repensar modelos, paradigmas e abrir mão de determinados poderes instituídos. Devemos nos acautelar e desconfiar sempre daqueles resistentes às mudanças, e que se posicionam como os guardiões de uma moralidade, como por exemplo, alguns profissionais do Direito que chegam a afirmar que as novas leis sobre o concubinato são um incentivo à promiscuidade. Acautelemo-nos. Segundo a psicanálise, quanto mais moralizador mais pervertido é o sujeito. Ora, as mudanças e transformações nos rumos e formas de constituição da família atual são apenas a expressão e reivindicação da ampliação do espaço da liberdade das pessoas. E a liberdade é um dos pilares do Direito.

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