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Em nome do pai

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 23/12/1996

A paternidade está mais ligada a uma função do que propriamente a uma relação biológica. Com as mudanças do sistema patriarcal, não se pode mais fazer o retrato de um pai típico. No patriarcado, em Roma, o pai, além de encarnar a lei, a autoridade, era instituído de um poder quase divino. Por outro lado, pouca atenção foi dada ao outro lado desse sistema: as crianças eram abandonadas afetivamente pelo pai e tornavam-se propriamente exclusivas da mãe. O início da vida desenrolava-se sem a presença do pai. Hoje, com a revolução feminista, os homens tendem a uma participação mais efetiva e não se limitam a ser apenas a representação da Lei. O número de pais que educam sozinhos seus filhos está crescendo na maioria das sociedades ocidentais. Na França, estimou-se que em 1990, 223.500 crianças viviam só com o pai. Nos EUA o número aumentou 100% entre 1971 e 1981. No Brasil os números revelam a mesma tendência, embora menor que nestes dois países.

A partir da idéia de que o pai tem a função de autoridade, de ser a “Lei” e, os cuidados com a criança é função materna, criou-se mitos em torno das funções de paternidade e maternidade. Por exemplo, em uma separação de casais, geralmente os filhos ficam com a mãe. Os pais raramente reivindicam a guarda dos filhos. Mesmo quando a reivindicam, dificilmente é lhes concedida. Na justiça, a recusa se explica por serem os juízes também inseridos neste contexto da ideologia patriarcal, embora a lei determine que os filhos ficarão com quem melhor condições tiver de educá-los. Pelo lado da mãe, mesmo aquelas que trabalham fora o dia inteiro sabem que as crianças são uma carga pesada. Para outras, os motivos da escolha da guarda estão mais associados ao senso de dever e culpa. Elas sentem sua preeminência materna como um poder que não querem dividir, mesmo que seja à custa de seu esgotamento físico e psíquico.

O pai que educa e sustenta não é necessariamente o biológico. O filho pode ser adotivo, ou advindo de uma inseminação artificial heteróloga. Sua função não é essencialmente reprodutiva: ele pode ser o transmissor de um nome de um patrimônio, pode ter uma função econômica e social.

O pai pode exercer todas essas funções, inclusive a maternagem, mas elas constituem, na verdade, uma conseqüência, ou um derivado da função básica de um pai e que está na essência de toda cultura e de todos os tempos: o pai, ou melhor, “um” pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial a que todo ser possa humanizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, como se disse, não é necessariamente o genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o Outro que possibilita ao filho o acesso à cultura.

Para que o Direito possa estar mais próximo do seu ideal de Justiça, faz-se necessário considerar o que a Psicanálise, principalmente pós Lacan, já desenvolveu em sua teoria sobre a paternidade. Em outras palavras, a partir do momento em que a paternidade for considerada em sua essência, desbiologizada e vista como função, o pensamento jurídico terá que se reestruturar, inclusive para dar novos rumos às ações de investigação de paternidade.

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