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O Judiciário e a sequela da cidadania

Ascom

O Poder Judiciário precisa entender sua melancólica incapacidade de fazer justiça. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, 26 milhões de novos processos vão para o Judiciário anualmente. Mais de 50% desses processos são do próprio Poder Executivo, contra ou a favor, que estrategicamente prorroga por anos a fio, através de seus recursos protelatórios para não pagar o que deve mesmo sabendo que ao final deverá pagar. Por isso é voz corrente que o Estado (Poder Executivo) é o maior caloteiro. Basta ver os credores que morrem antes de receber os tais precatórios, tamanha a protelação. E pior: isto parece coisa normal. Não é. Está caindo a ficha e o poder das redes sociais começa a gritar por esta razão também. Rui Barbosa já havia cantado essa bola, e hoje até virou clichê: justiça tardia não é justiça.

A outra metade dos processos advém das atividades privadas. A lentidão dos processos enfraquece e tira a esperança da parte mais vulnerável. Isto se torna mais evidente na área do Direito de Família. É claro que em muitos deles as estórias de degradação do outro faz parte de um “gozo” com o litígio. As partes, não tendo capacidade para resolver seus conflitos internos, acabam levando os restos do amor para o Judiciário. E isto era estimulado pela própria lei quando dizia que havia um culpado pelo fim do casamento. Apesar da evolução jurisprudencial e da Emenda Constitucional 66/10, que simplificou o divórcio, eliminando prazos desnecessários e o inútil “modelito” da separação judicial, ainda há quem insista nesta discussão de culpa, que não leva a nada e ajuda a abarrotar ainda mais o Judiciário.

A maior parte dos processos de família em tramitação no Judiciário refere-se à pensão alimentícia. Apesar do hercúleo esforço da Defensoria Pública que atende a população carente, os mais necessitados continuam com suas necessidades básicas não atendidas em razão de processos que não andam, apenas se arrastam em imbróglios processuais, burocráticos etc. Outra balela: quem tem mais de 60 anos tem prioridade na tramitação de processos judiciais. Só pra inglês ver. E isto não deveria ser aceito como normal, pois não é.

O Poder Legislativo também deveria fazer sua “mea culpa”. Passou-se a achar normal a lentidão da tramitação dos projetos de Lei no Congresso Nacional. Tudo bem que democracia não é simples e dá trabalho. Mas grande parte dos parlamentares parece desviar totalmente de sua função para o qual foram eleitos. E para piorar a situação, o Estado, que deveria ser laico, compactua com essa situação e tende a voltar ser um Estado religioso. A maior demonstração disto é a Comissão de Constituição e Justiça, em sua maioria, religiosos radicais, que a todo custo querem impor sua moral particular, ainda que isto signifique expropriação de cidadanias. Não se aprova mais nenhum projeto de lei que tenha qualquer conteúdo contrário à moral religiosa.

O Congresso Nacional está sem a capacidade de distinguir ética de moral e tem permitido impor suas concepções de expropriação de cidadanias. Por exemplo: está parado na mesa diretora da Câmara dos Deputados o Estatuto das Famílias. PL 674/2007 desde 15/12/2010 aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, após tramitação e discussão com a comunidade jurídica, em razão de recursos da bancada evangélica. É um direito legítimo e democrático discordar e discutir. Mas as artimanhas e os conchavos de poder tem travado o processo democrático. Não há explicação aceitável para tal paralisação deste e de tantos outros projetos de lei que poderiam melhorar a justiça e a cidadania deste país. Essas inexplicáveis situações, em nome de uma moral excludente, e da manutenção de uma estrutura do poder, passaram a ser consideradas normais. Não é.

Felizmente, jovens reunidos se mobilizam pelas redes sociais lúcidos de que essas estruturas de governo, seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário, não são e não podem ser aceitos como normais. Será que o Ministério da Justiça, por meio de sua Secretaria da Reforma do Judiciário terá a capacidade de ouvir as vozes da rua? Será que os presidentes da Câmara e do Senado vão abrir os olhos para essas anormalidades? Enquanto isto, e até que isto aconteça, nossa justiça continua cega, surda, muda e entrevada. E assim, beneficiando, naturalmente a parte economicamente mais forte.

Fonte: Diário do Nordeste- 05/01/2014

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