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O paradoxo do concubinato

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 13/6/1995
Foi aprovado no Senado Federal o projeto de lei 084/94, substitutivo ao projeto de lei 1.888/91, da Deputada Bete Azize (PDT/AM), que regulamenta o concubinato, com a intenção de inscrever uni Estatuto para as Uniões Estáveis. Este importante projeto, já quase lei, é de conhecimento de poucos e não foi efetivamente discutido com a população brasileira.

Seu grande valor, embora não seja esta a função de um texto legislativo, é apresentar um conceito moderno para as relações entre homem e mulher que tenham uma certa estabilidade mas não tenham registros cartorários, dizendo: “União Estável é o concubinato more uxorio, público, contínuo e duradouro entre homem e mulher, cuja relação não seja incestuosa ou adulterina”. Isto significa que a Lei 8.971194, que concede alimentos e heranças aos concubinos, estará automaticamente alterada, uma vez que os seus limites estarão ampliados pelo projeto de lei. Entretanto, peca por estatuir normas de convivência para os sujeitos de uma relação amorosa que optaram pelo espaço do não-instituído, da não intervenção do Estado em sua vida privada.

Por outro lado, não se pode ser inocente útil e ingênuo o suficiente para desconhecer que das relações amorosas, da convivência more uxorio, decorrem conseqüências jurídicas e muitas vezes injustiças. Exemplos são os casos em que a mulher, após um longo período de convivência amorosa, ao separar-se não pode mais competir no mercado de trabalho por ter-se dedicado apenas ao lar, não tendo como sob reviver sem a ajuda do companheiro; ou, mesmo, os casos em que ela tenha dado suporte doméstico para a construção de um patrimônio e, com a separação, não receba sua parcela. O Estado deve socorrer os mais fracos. Em todas relações, o mais forte escraviza o mais fraco.

Mas o Direito, cuja fonte não é só a lei, já vinha cuidando disto através da jurisprudência, que ressona os costumes principalmente com as súmulas 380 e 382 do Supremo Tribunal Federal, as quais fornecem a palavra chave para a solução destas questões: esforço comum.

Talvez este espaço do não-instituído, onde as relações amorosas também podem desejar inscrever-se, seja mesmo paradoxal. O Direito terá de se haver com isto. E poderá começar, revendo alguns de seus conceitos como o de família. A partir do momento em que este conceito for revisto para estar em dia com a realidade, teremos mudanças substanciais resolvendo injustiças e não interferindo na liberdade dos sujeitos de estabelecerem sua própria história afetiva.

A Constituição de 1988, ao contrário da anterior, reconhece que a família não se constitui somente pelo casamento. Diz o artigo 226 que ela pode se constituir também pela União Estável (concubinato) e pela comunidade de formada pelos pais e seus descendentes. Apesar disso, alguns julgadores e juristas têm resistido em conceber a família de forma plural, insistindo em concepções já ultrapassadas. Lévi Strauss e Lacan já mostraram ao mundo, há muitas décadas, que o cerne e o laço principal de sua formação estão em um estruturação psíquica, onde cada um exerce uma e em lugares definidos. O Direito já deveria ter absorvido estas idéias e não precisaria mudar tanto sua legislação sobre família.

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