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O projeto dos concubinos

Ascom

Publicado no Jornal Folha de São Paulo no dia 7/6/1997

Com a mudança dos costumes sociais e sexuais, especialmente a partir da década de 60, vários projetos de lei sobre o concubinato foram apresentados ao Congresso Nacional. Após 1988, com a proteção dada pela Constituição às uniões não-matrimoniais (art. 226), a questão voltou à baila.

Dois desses projetos transformaram-se nas autuais leis 8.971/94 e 9.278/96, que atualmente regulamentam a matéria.
Em vez de resolver a falta de regulamentação, essas duas leis vieram levantar polêmica em torno do instigante tema.
O Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional, no final de 1996, um projeto de lei que pretende resolver as arestas suscitadas e deixadas pelas leis 8.971/94 e 9.278/96. Com 13 artigos, ele está tramitando sob o nº 2.686/96 e encontra-se desde 19/3/97 na Comissão de Seguridade Social e Família.

Esse projeto, que também recebeu o nome de “Estatuto da União Estável”, como os anteriores, incorre em erros e omissões. O artigo 1º, por exemplo, estabelece que, para a caracterização da união estável, a convivência deverá ser sob o mesmo teto, quando na década de 60 a súmula 382 do STF já disse o contrário. Aliás, muitos casais encontram como fórmula de boa convivência exatamente não viver sob o mesmo teto.

Ainda o artigo 1º estabelece como requisito o prazo de cinco anos, ou dois se tiverem filhos, para a caracterização da união estável e que os sujeitos dessa união sejam desimpedidos para o matrimônio ou mesmo separados de fato. Ora, pode ser que uma relação de dez anos não caracterize estabilidade, ou que uma de um ou dois anos a caracterize. A questão do prazo deveria ser apenas um referencial e não uma regra rígida.

Os artigos 2º e 3º, estabelecendo direitos e obrigações, à imagem e semelhança de um casamento formal, elegeram o regime da comunhão parcial de bens para essas uniões. O artigo 4º é omisso e contraria o artigo 258 do CCB, que estabelece a obrigatoriedade do regime de separação de bens para mulheres com mais de 50 anos e homens com mais de 60. Como nas leis e projetos anteriores, não fez referência à prescrição, aos artigos 1.719, 3º, e 248, 4º, do CCB.
O artigo 9º trata da conversão da união estável em casamento, mas sem retroagi-la. Qual o sentido disso se não for para retroagir? É como se dissesse: “Vamos salvar o concubinato e transformá-lo em algo mais digno: o casamento”. Isso é a prova e o reforço do preconceito sobre essas questões. Há outros equívocos e omissões. Os apontados aqui são exemplos.

Não podemos perder de vista a boa intenção do projeto, embora saibamos que o inferno está cheio delas. É claro que o seu bom espírito é, principalmente, dar proteção e segurança jurídica à parte economicamente mais fraca de uma relação, geralmente a mulher.

Entretanto não se pode deixar de apontar que o seu principal equívoco está na sua própria concepção estrutural. Fazer um estatuto para o concubinato (união estável) é querer equipará-lo ao casamento, ou torná-lo um subcasamento ou casamento de segunda classe, e interferir em excesso na liberdade do sujeito que não quiser se casar.

A união estável é apenas uma outra forma de constituir família, que deve receber a proteção do Estado. Diferente é a sua regulamentação. Mas teremos que nos haver com esse paradoxo, sob pena de aprovar um projeto que poderá significar um retrocesso jurídico.

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