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PGR: o reconhecimento jurídico da existência de mais de um vínculo parental é possível

claudiovalentin

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela inexistência de qualquer óbice legal ao reconhecimento simultâneo de paternidades oriundas de vínculos diversos no Recurso Extraordinário (RE) 898060, com repercussão geral reconhecida, no qual se discute prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica.

De acordo com o parecer do procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, a já assinalada mudança de paradigma no Direito de Família – da defesa de um modelo de família à defesa das múltiplas formas de ser família – impõe que o intérprete se afaste das preconcepções acerca de modelos sociais para entender, sempre em concreto, como os arranjos familiares se compuseram e como devem ser preservados. “Trata-se, aqui, do ingresso definitivo do princípio da realidade no Direito de Família, isto é: não é o Direito que diz o que é uma família – são as famílias, em suas múltiplas configurações, que definem os diferentes modelos – tradicional ou não – ambos de intervenção jurídica em nome de sua proteção”.

No parecer, Janot argumenta que a partir do momento em que o vínculo biológico deixa de ser a única forma de reconhecimento de parentesco, pode ser que, em situações concretas, mais de um vínculo esteja presente e ativo, tendo significância identitária para os dois polos envolvidos na relação. Assim é que, por exemplo, em um formato de família mosaico, composta da recomposição de núcleos familiares pretéritos que por novas uniões se encontram, dois indivíduos podem assumir e compartilhar voluntariamente tarefas de paternidade, assumindo publicamente o papel de pais. “Aí consta o limite para controle de abusos: não é qualquer situação que acarretará paternidade socioafetiva, mas apenas aquelas em que houve a assunção voluntária e inconteste em algum momento da relação dos papéis de pai e filho, calcada na solidariedade mútua”.

Ainda de acordo com o parecer, a afirmação da possibilidade jurídica da multiparentalidade apenas vem a admitir que a realidade dos arranjos familiares pode ser muito mais complexa do que o modelo binário tradicional vinha admitindo. “Eventuais abusos podem e devem ser controlados no caso concreto. Porém, esperar que a realidade familiar se amolde aos desejos de um ideário familiar não é só ingênuo, é inconstitucional”.

A Procuradoria-Geral da República propõe que se assente que é possível o reconhecimento jurídico da existência de mais de um vínculo parental em relação a um mesmo sujeito, pois não admite a Constituição restrições injustificadas à proteção dos diversos modelos familiares, cabendo à análise em cada caso concreto se presentes os requisitos para a coexistência dos vínculos ou para a prevalência de um deles.

Como é de repercussão geral, a Procuradoria-Geral da República propõe a fixação das seguintes teses: Não é possível fixar em abstrato a prevalência entre a paternidade biológica e a socioafetiva, pois os princípios do melhor interesse da criança e da autodeterminação do sujeito reclamam a referência a dados concretos acerca de qual vínculo deve prevalecer; é possível ao filho obter, a qualquer tempo, o reconhecimento da paternidade biológica, com todos os consectários legais, sendo inoponível pelos parentes biológicos, cabendo-lhe exclusivamente tal decisão, pois desdobramento da autodeterminação identitária do sujeito, de proteção constitucional, infensa ao escrutínio dos demais membros da sociedade; é possível o reconhecimento jurídico da existência de mais de um vínculo parental em relação a um mesmo sujeito, pois não admite a Constituição restrições injustificadas à proteção dos diversos modelos familiares, cabendo à análise em cada caso concreto se presentes elementos para a coexistência dos vínculos ou para a prevalência de um deles.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) atua como Amicus Curiae (amigos da corte) no processo e entende que devem ser reconhecidas como jurídicas ambas as paternidades, socioafetiva e biológica, em condições de igualdade material, sem hierarquia, a priori, nos casos em que ambas apresentem vínculos socioafetivos relevantes; e que se proclame o reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva. Com informações do IBDFAM

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