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STF: princípio da afetividade (MS 32866 DF) – Direito de Família

Ascom

(…) Na realidade, torna-se essencial dar consequência, no plano de sua eficácia jurídica, ao princípio constitucional que consagra a obrigação do Poder Público de velar pela proteção à família e de preservar a sua unidade (CF, art. 226, “caput”). Isso significa, presente o contexto em análise, que também há de se considerar, no tema concernente à denominada união de cônjuges (ou de pessoas integrantes de uniões estáveis hétero e homoafetivas), o afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional, em ordem a valorizar, sob tal perspectiva, esse novo paradigma, reconhecido como núcleo conformador do próprio conceito de família e foco de irradiação de direitos e deveres resultantes de vínculos fundados no plano das relações familiares. Cabe enfatizar, por isso mesmo, que esse entendimento – no sentido de que o afeto representa um dos fundamentos mais significativos da família moderna, qualificando-se, para além de sua dimensão ética, como valor jurídico impregnado de perfil constitucional – tem o beneplácito de expressivo magistério doutrinário (RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, “Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família”, p. 179/191, item n. 7, 2005, Del Rey (…)

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado com o objetivo de questionar a validade jurídica de deliberação emanada do E. Conselho Nacional de Justiça, proferida nos autos do PCA nº 0007030-96.2012.2.00.0000,que restou consubstanciada em acórdão assim do: “PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DESCONSTITUIÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE. CESSÃO DE SERVIDOR. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. REQUISITO DO ART. 36, III, ‘A’, DA LEI Nº 8.112/90. DESCUMPRIMENTO. 1. Dispõe a Lei 8.112/80, em seu artigo 36, inciso III, alínea ‘a’ que a remoção a pedido do servidor para acompanhamento de cônjuge ou companheiro, independentemente da existência de vaga, exige obrigatoriamente o cumprimento de requisito específico, qual seja, que o cônjuge seja servidor público, removido no interesse da Administração, não se admitindo qualquer outra forma de alteração de domicílio. 2. Da leitura dos autos, extrai-se que o pedido de remoção foi motivado pelo retorno ao órgão de origem, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL), do cônjuge do interessado que fora cedida ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). 3. Cessão e Remoção não se confundem. Conforme se depreende do Decreto nº 4050 de 2001, a cessão de servidor não gera alteração na lotação no órgão de origem (art. 1º, II, Decreto nº 4.050/2001). Por esse motivo, a cessão é sempre temporária, como o foi no presente caso, e não pode dar ensejo à remoção para acompanhar cônjuge. 4. Procedimento de Controle julgado procedente.” (grifei) Esta impetração mandamental sustenta-se, em síntese, nos seguintes fundamentos: “A presente ação tem por objeto combater a ilegalidade praticada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, materializado por meio do acórdão proferido no julgamento do PCA nº 0007030-96.2012.2.00.000, em 11.02.2014, (Anexo 03) que desconstituiu ato do TRE/AL (Portaria nº 897 de 19 de novembro de 2012) (Anexo 04) que autorizou corretamente a remoção do impetrante para acompanhamento de cônjuge. O ato impugnado violou, conforme se demonstrará ao longo deste Mandado de Segurança, a um só tempo, princípios constitucionais valiosos: o direito ao devido processo legal, à segurança jurídica, o direito à manutenção da unidade familiar e a proteção integral à criança e ao adolescente, além de disposição expressa da Lei n. 8.112/90. Não fosse o bastante, a decisão que julgou o referido PCA foi proferida por um órgão incompetente, nos precisos termos do Regimento Interno do próprio Conselho Nacional de Justiça, o que por si só já denota uma afronta ao direito do Impetrante ao devido processo legal. Ademais, o quando do julgamento do PCA, o ilustre Conselho posicionou-se contrário a todo conjunto de provas acostados aos autos, o que também denota uma flagrante ilegalidade. Desta forma, a ilegalidade cometida pela parte Impetrada (o julgamento equivocado do PCA) teve como consequência direta uma verdadeira violação à segurança jurídica, já que atropela outro direito subjetivo do impetrante – vale dizer: o direito à Remoção do impetrante para acompanhamento de cônjuge, deferido pelo TRE/AL, que foi praticado dentro dos parâmetros legais da Lei 8.112 e da Resolução nº 23.092/2009 do TSE.” (grifei) Ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, o eminente Senhor Presidente do E. Conselho Nacional de Justiça produziu os seguintes esclarecimentos: “O PCA nº 0007030-96.2012.2.00.0000 foi formulado por Ivan Portela de Macedo e outros, os quais buscaram a desconstituição do ato administrativo do TRE-AL (Portaria nº 897), em desrespeito à Resolução nº 23.092/2009 do Tribunal Superior Eleitoral,que autorizou a remoção do servidor André Frazão de Omena, lotado na 24ª Zona Eleitoral, para Maceió/AL, comarca para qual fora deslocada seu cônjuge Fabiana Teixeira de Moura. Os requerentes afirmaram que a servidora não foi deslocada no interesse da Administração, mas cedida. Portanto, haveria ilegalidade em privilegiar André Frazão de Omena em detrimento de servidores mais antigos, motivo pelo qual pleitearam,liminarmente, a suspensão da decisao do TRE-AL e, no mérito, sua anulação. A liminar foi indeferida em 26 de novembro de 2012, ante a ausência dos requisitos autorizadores para sua concessão. Deu-se a oportunidade ao interessado André Frazão de Omena manifestar-se nos autos. Arguiu, preliminarmente, incompetência deste Conselho para conhecer a matéria. No mérito, pugnou pelo não conhecimento do procedimento e, sucessivamente, seu indeferimento. Após a instrução do procedimento, o então Conselheiro Neves Amorim, na 166ª Sessão Ordinária do CNJ, ocorrida em 2 de abril de 2013, votou pela procedência do pedido, a fim de desconstituir os efeitos da Portaria do TRE-AL nº 897/2012, e pediu vista regimental o Conselheiro Wellington Saraiva. Na 170ª Sessão Ordinária do CNJ, em 28 de maio de 2013, o Conselheiro vistor proferiu voto acompanhando o Conselheiro relator. O então Conselheiro Bruno Dantas votou pelo não conhecimento do pedido por tratar-se de interesse individual e, no mérito,julgava-o improcedente. Pediram vista regimental o Presidente Joaquim Barbosa e o então Conselheiro Ney Freitas. O feito foi levado a julgamento na 182ª Sessão Ordinária, realizada em 11 de fevereiro de 2014, e, após o voto convergente do Presidente Joaquim Barbosa, o Conselho, por maioria, julgou procedente o pleito para desconstituir a decisão proferida pela presidência do TRE-AL no Processo Administrativo nº 13.505/2011 e desconstituir os efeitos da Portaria nº 897/2012, nos termos do voto do então Relator Conselheiro Neves Amorim. Vencidos os Conselheiros Bruno Dantas (então Conselheiro), Gilberto Martins, Paulo Teixeira, Gisela Gondin e Emmanoel Campelo.” (grifei) Sendo esse o contexto, passo a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede mandamental. Tenho para mim que se mostram presentes, na espécie, os requisitos – que são cumulativos – concernentes à plausibilidade jurídica e ao “periculum in mora”, viabilizadores da outorga do provimento cautelar requerido pelo ora impetrante. Com efeito, a pretensão cautelar ora em exame, analisada em sede de sumária cognição, parece encontrar fundamento na cláusula que consagra o dever constitucional, expressamente atribuído ao Poder Público, de proteção à família e de preservação da unidade familiar (CF, art. 226, “caput”). Esse entendimento, que faz prevalecer a eficácia jurídica de tão relevante princípio constitucional, tem sido observado por esta Suprema Corte, em julgamentos nos quais se tem acentuado, com particular ênfase, a indeclinável obrigação estatal de preservar a unidade e de proteger a integridade da entidade familiar (HC 114.901-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 21.893/DF, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 549.095- -AgR/RJ, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.): “MANDADO DE SEGURANÇA. REMOÇÃO DE OFÍCIO PARA ACOMPANHAR O CÔNJUGE, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE VAGAS. ART. 36 DA LEI 8.112/90. DESNECESSIDADE DE O CÔNJUGE DO SERVIDOR SER TAMBÉM REGIDO PELA LEI 8112/90. ESPECIAL PROTEÇÃO DO ESTADO À FAMÍLIA (ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). 1. Em mandado de segurança, a União, mais do que litisconsorte, é de ser considerada parte, podendo, por isso, não apenas nela intervir para esclarecer questões de fato e de direito, como também juntar documentos, apresentar memoriais e, ainda,recorrer (parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/97). Rejeição da preliminar de inclusão da União como litisconsorte passivo. 2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente: MS 21.893/DF. 3. A alínea ‘a’ do inciso IIIdo parágrafo único do art. 36 da Lei 8.112/90 não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos servidores públicos federais. A expressão legal ‘servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios’ não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta quanto a Indireta. 4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade, a ela garante ‘especial proteção do Estado’. Outra especial proteção à família não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que os prendem. 5. Segurança concedida.” (MS 23.058/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei) Essa compreensão que o Supremo Tribunal Federal revelou nos precedentes que venho de mencionar reflete-se, por igual, na jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça (MC 16.261/RN, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO – REsp 854.555/TO, Rel.Min. VASCO DELLA GIUSTINA – RMS 11.767/RS, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, v.g.): “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ART. 36, III, A, DA LEI N. 8.112/1990. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE, EMPREGADA DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DO SIGNIFICADO DE SERVIDOR PÚBLICO (PRECEDENTES DO STJ). PROTEÇÃO DO ESTADO À UNIDADE FAMILIAR (ART. 226 DA CF). 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem atribuindo uma interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração direta, como também os que exercem suas atividades nas entidades da Administração indireta (Cf. EREsp n. 779.369/PB, Primeira Seção, Relator p/ o acórdão Ministro Castro Meira, DJ de 4/12/2006). 2. A Constituição Federal consagra o princípio da proteção à família, bem maior que deve ser protegido pelo Estado. 3. O disposto no art. 36, III, a, da Lei n. 8.112/1990 deve ser interpretado em consonância com o art. 226 da Carta Magna, ponderando-se os valores que visam proteger. 4. O Poder Público deve velar pela proteção à unidade familiar, mormente quando é o próprio empregador. 5. Segurança concedida”. (MS 14.195/DF, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR – grifei). Na realidade, torna-se essencial dar consequência, no plano de sua eficácia jurídica, ao princípio constitucional que consagra a obrigação do Poder Público de velar pela proteção à família e de preservar a sua unidade (CF, art. 226, “caput”). Isso significa, presente o contexto em análise, que também há de se considerar, no tema concernente à denominada união de cônjuges (ou de pessoas integrantes de uniões estáveis hétero e homoafetivas), o afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional, em ordem a valorizar, sob tal perspectiva, esse novo paradigma, reconhecido como núcleo conformador do próprio conceito de família e foco de irradiação de direitos e deveres resultantes de vínculos fundados no plano das relações familiares. Cabe enfatizar, por isso mesmo, que esse entendimento – no sentido de que o afeto representa um dos fundamentos mais significativos da família moderna, qualificando-se, para além de sua dimensão ética, como valor jurídico impregnado de perfil constitucional – tem o beneplácito de expressivo magistério doutrinário (RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, “Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família”, p. 179/191, item n. 7, 2005, Del Rey; GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, “Princípios Constitucionais de Direito de Família: guarda compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso”, p. 126/130, item n. 3.2.1, 2008, Atlas; MOACIR CÉSAR PENA JUNIOR, “Direito das Pessoas e das Famílias: doutrina e jurisprudência”, p. 10/12, item n. 1.5.2, 2008, Saraiva; MARIA BERENICE DIAS, “Manual de Direito das Famílias”, p. 40/42, item n. 2.2, 7ª ed., 2010, RT; FLÁVIO TARTUCE, “Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro”, “in” Manual de Direito das Famílias e das Sucessões, coordenado por Ana Carolina Brochado Teixeira e Gustavo Pereira Leite Ribeiro, Capítulo 1/47-50, item. n. 9, 2008, Del Rey/Mandamentos; FERNANDA DE MELO MEIRA, “A Guarda e a Convivência Familiar como Instrumentos Veiculadores de Direitos Fundamentais”, “in” Manual de Direito das Famílias e das Sucessões, coordenado por Ana Carolina Brochado Teixeira e Gustavo Pereira Leite Ribeiro, Capítulo 11/296-297, item. n. 5.3, 2008, Del Rey/Mandamentos; CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA,“Instituições de Direito Civil”, p. 43/45, item n. 372-B, 17ª ed., 2009, Forense, v.g.). Cabe assinalar, de outro lado, que a peça documental subscrita pelo Senhor Desembargador Vice-Presidente e Corregedor do E. Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região parece revelar que o ato que tornou sem efeito a cessão funcional do cônjuge do ora impetrante, determinando o retorno dela ao Tribunal cedente, teria sido motivado por razões de exclusivo interesse público, o que densificaria, ainda mais, a pretensão de ordem cautelar sob julgamento. Sendo assim, em juízo de estrita delibação e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, “os efeitos da decisão final do Conselho Nacional de Justiça, proferida nos autos do Procedimento de Controle Administrativo nº 0007030-96.2012.2.00.0000, permitindo, assim, ao impetrante, que continue a exercer suas atividades na sede do TRE/AL, na cidade de Maceió/AL, até o julgamento definitivo desta ação” (grifei). Comunique-se, com urgência, o teor da presente decisão ao eminente Senhor Presidente do E. Conselho Nacional de Justiça. Publique-se. Brasília, 25 de abril de 2014.Ministro CELSO DE MELLORelator

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