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STF: União estável

Ascom

(…) Sobre a convivência duradoura na união estável, também a lição de Rodrigo da Cunha Pereira: ‘(…) é necessária uma certa continuidade, durabilidade da relação. Não há um prazo, com rigor absoluto, para determinar a partir de quando a relação se caracterizaria como união estável ou concubinato. (…) Na verdade, o que interessa sobre o tempo in casu é que ele caracterize a estabilidade da relação. Isto pode se definir com dois anos, por exemplo, ou mesmo não acontecer nem com dez anos de relacionamento.’ (Concubinato e união estável, 6ª ed. rev. atual. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 32/33).

Vistos etc. Contra o juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário que interpôs, exarado pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (fls. 392-3), manejam agravo J. L. de M. e outros. O óbice oposto na origem ao seguimento do extraordinário foi o da aplicação da súmula 279/STF, incabível rever a interpretação conferida ao conjunto probatório. Na minuta sustentam os agravantes que o recurso reúne todos os requisitos para sua admissão. Alegam ofensa ao art. 226, § 3º, da Lei Maior. Argumentam que o Tribunal de origem não considerou as exigências éticas implícitas no texto Magno, referentes aos conceitos de união estável e de intenção de constituir família. Registram não pretenderem a revisão da interpretação conferida ao conjunto probatório, mas, sim, uma séria revisão da interpretação errônea do preceito constitucional referente à união estável. Contraminuta (fls. 407-19). Substituição do Relator à fl. 439 (art. 38 do RISTF). É o relatório. Decido. Preenchidos os pressupostos extrínsecos. Reproduzo o teor da decisão denegatória de seguimento do recurso extraordinário, exarada na origem: “O Colegiado decidiu a questão com esteio nas provas dos autos, deliberando que ‘(…) tem-se por inequívoca a configuração da união estável entre o apelado e a falecida N.A. de M. a partir dos documentos constantes do caderno probatório dos autos (…)’ (fls. 322.323). Em sede de recurso extraordinário, como de sabença, não há espaço para se rever interpretação conferida ao conjunto fático-probatório dos autos ( ). Incide, pois, na espécie, o óbice do Enunciado nº 279 da Súmula do Supremo Tribunal Federal” (fls. 392-3). Por seu turno, ao adequado enfrentamento da controvérsia, transcrevo as razões de decidir adotadas pela Corte de origem, quando do exame da apelação veiculada pelos ora agravantes: “A controvérsia dos autos circunda em torno da aferição da configuração ou não da união estável entre o ora apelado e a falecida N.A. de M., irmã e cunhada dos apelantes. A união estável entre homem e mulher, constitucionalmente reconhecida como entidade familiar, para efeito de proteção do Estado, é disciplinada no Novo Código Civil, que estabelece como requisitos para a sua configuração, no art. 1.723, ‘a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família’, ainda que sem a existência de prole, ao que se acresce o disposto no artigo 1.724, in verbis: ‘Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, assistência e educação dos filhos.’ Caio Mário da Silva Pereira leciona que para ‘a configuração da união estável não basta o simples ‘companheirismo’, mas se requer seja ‘duradoura e notória’ a que não seria estranho o fator psicológico de haver ‘sempre a possibilidade de contração do vínculo do casamento’. Citando Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira, o autor exclui deste conceito familiar ‘toda situação como ‘namoro’ ou um ‘caso’, a que faltam a duração e a estabilidade’ (Instituições de Direito Civil, vol. V,Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 535). Prossegue ensinando que ‘há de existir uma duração, a sucessão de fatos e eventos, a permanência do relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico, definem a situação’ (ob. cit, p. 541). Sobre a convivência duradoura na união estável, também a lição de Rodrigo da Cunha Pereira: ‘(…) é necessária uma certa continuidade, durabilidade da relação. Não há um prazo, com rigor absoluto, para determinar a partir de quando a relação se caracterizaria como união estável ou concubinato. (…) Na verdade, o que interessa sobre o tempo in casu é que ele caracterize a estabilidade da relação. Isto pode se definir com dois anos, por exemplo, ou mesmo não acontecer nem com dez anos de relacionamento.’ (Concubinato e união estável, 6ª ed. rev. atual. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp. 32/33). E ainda: ‘Devemos nos desprender da ideia de um tempo fixo e rígido para a caracterização de tais relações, pois este é apenas um dos elementos que, somados a outros, irão contribuir para a conceituação de união estável, passível de proteção do Estado.Nenhum julgador, com um mínimo de bom senso, considerará estável uma relação de um ou dois anos, ou mesmo de dez anos, se esta constitui apenas um namoro, se não há ali os elementos necessários, inclusive psíquicos, estruturadores de uma família’ (ob.cit., p. 71). Transferindo as ponderações supra ao exame do caso concreto, tem-se por inequívoca a configuração da união estável entre o apelado e a falecida N.A. de M. a partir dos documentos constantes do caderno probatório dos autos e, notadamente: a) pela inexistência de qualquer impedimento legal, haja vista serem estes, respectivamente, solteiro e viúva (art. 1723, § 1ºdo CC); b) pelas evidências de coabitação do apelado junto à falecida, como comprovam os inúmeros documentos acostados (f. 30-35); e,c) pela demonstração da existência de uma vida em comum do apelado com a falecida, com assistência mútua e ânimo de formação de família, bem como pelo status social de tal relação, conforme se depreende ao longo de todo o processado, e em especial dos documentos e fotos de f. 27, 34, 40, e 42-49, e da prova testemunhal produzida. Vejamos: Depoimento da Testemunha I.I.Z. (f. 237): ‘(…) QUE a depoente foi manicure de N. por muitos anos e também muito amiga dela; que quando conheceu N. esta morava sozinha e depois de um certo tempo M. tornou-se esposo dela; que M. era muito atencioso e carinhoso com N.; que a visão que a sociedade tinha de M. e N. “era de namorados que se doam um ao outro e que por fim se tornam marido e mulher”; (…) que pela forma como N. falava de M. subtendia-se que a vida dos dois era de marido e mulher; (…).’ Depoimento da Testemunha N.A.S. (f. 238): ‘(…) QUE a depoente trabalhou com N. por aproximadamente 03 anos; que quando a depoente foi trabalhar na casa de N., M. já morava com N.; que o relacionamento entre M. e N. era de casados; que M. e N. participavam dos eventos sociais juntos como se fossem casados; (…) que a depoente pode afirmar que M. dormia na mesma cama de N.; (…).’ Depoimento da Testemunha I.G.P. (f. 239): ‘(…) QUE o depoente conheceu N. no ano de 1992 ou 1993, quando N. contratou um seguro com o depoente; que nesta época N. morava com M.L.; que M. e N. eram ‘amigados’, ou seja, marido e mulher; (…).’ Depoimento da Testemunha F. de A.F. (f. 240): ‘(…) Que o depoente conheceu N. e que prestou serviço de agrimensor; que na ocasião em que esteve presente na casa M. e N. foi recebido por ambos e teve a impressão de que eram marido e mulher; (…).’ Confirmando tais assertivas, o próprio depoimento pessoal de uma das requeridas, senão vejamos: Depoimento Pessoal de A.L. de M. (f. 235): ‘(…) Que era irmã de N.; (…) que a depoente não sabe ao certo, mas pode afirmar que Mário morou na mesma casa de N. por aproximadamente dez anos; que quando N. faleceu, M. estava morando com ela; que M. e N. viviam e tinham aparência de que eram casados; que nos eventos sociais como festas, casamentos N. e M. sempre compareciam juntos; (…).’ Dessa forma, deve ser mantida a bem fundamentada sentença, embasada na prova produzida no feito, não havendo elementos que justifiquem a sua reforma, principalmente se se considerar que a decisão, até mesmo por envolver discussão acerca da união estável, que é questão fática, levou em consideração significativamente a prova oral, com a qual o juízo a quo manteve melhor e direto contato, repita-se, corroborada, ainda, pelas demais provas produzidas. Destarte, demonstrado o envolvimento amoroso entre o apelado e a falecida, bem como o animus de se constituir uma relação familiar estável, ou seja, do elemento psíquico necessário à estruturação de uma família, com todos os deveres típicos da relação entre os companheiros, mesmo que de tal relação não tenham advindo filhos, in casu, ao contrário do afirmado pelos apelados, tenho ter restado efetivamente evidenciados todos os elementos indispensáveis para a caracterização de tal união como estável, razão pela qual a procedência do pedido inicial de reconhecimento e dissolução de união estável realmente se impunha. Ora, o aplicador do Direito, ao formar sua convicção, deve se ater aos fatos alegados e provados em juízo, não havendo que se falar em reforma da decisão, in casu, quando foi dada a solução mais coerente com o contexto probatório dos autos e com a regra do ônus da prova disposta no art. 333 do CPC. Com efeito, havendo segurança quanto à existência dos elementos essenciais para a configuração da união estável no caso, ônus do qual se desincumbiu o autor, não merece reforma a sentença de primeiro grau que reconheceu a existência de união estável entre o apelado e a falecida N.A. de M.. Diante de tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença de primeiro grau por seus próprios e jurídicos fundamentos” (fls. 321-6). Ao exame dos declaratórios, assim se manifestou a Corte de origem: “Da análise do presente recurso, verifico, com a devida vênia, que os embargantes não lograram apontar qualquer omissão efetiva no acórdão embargado, pretendendo, assim, na realidade, desvirtuar os embargos de declaração de sua função primordial que é a de sanar eventuais omissões, contradições e obscuridades do acórdão, quando não se prestam, a toda evidência, ao reexame do decisum. Com efeito, pretendem os embargantes, em verdade, a rediscussão do julgado, ao passo que, como cediço, pacificada jurisprudência tem entendido que, mesmo para efeitos de prequestionamento, a oposição de embargos declaratórios se submete aos limites do art. 535 do CPC, não sendo o meio legal para reexaminar as questões decididas: ‘Mesmo nos embargos de declaração com fim de prequestionamento, devem-se observar as lindes traçadas no art. 535 do CPC (obscuridade, dúvida, contradição, omissão e por construções pretoriana integrativa, a hipótese de erro material). Esse recurso não é meio hábil ao reexame da causa.’ (STJ – 1ª Turma, REsp 13.843-0-SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo). Assim, da leitura da peça de embargos de declaração, denota-se a clara intenção de obtenção de reforma de julgamento, por suposto erro de julgado. É que, a matéria devolvida pelo recurso de apelação foi abordada à saciedade pelo acórdão objurgado, tendo este se manifestado, expressamente, sobre as questões suscitadas, conforme se vê às f. 321-326. Passando adiante, cumpre ainda ressaltar que, como sabido, não tem o juiz que apontar todos os fundamentos legais eventualmente incidentes, bastando invocar aqueles suficientes para embasar a sua decisão, não estando adstrito à análise de todos os argumentos levantados pelos demandantes. Nesse sentido, decisão exarada pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AI 169.073-SPS-AgRg, que teve como relator o Ministro José Delgado, verbis: ‘É entendimento assente de nossa jurisprudência que o acórdão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo que, por si só achou suficiente para a composição do litígio.’ O acórdão, assim como a sentença, deve ser fundamentado, segundo o livre convencimento do julgador, amparado nas provas e documentos contidos nos autos, e, reitere-se, não há obrigação do julgador em responder todas as alegações das partes. Assim, não pretendendo os embargantes, como deixam patente, alcançar a integração da decisão que seria necessária em caso de uma omissão no acórdão, improcede seu pedido de alteração da decisão embasado em alegação de erro de julgado relativamente à matéria fática tratada nos autos, porquanto nos embargos de declaração, como já dito, ‘não se pede que se redecida; pede-se que se reexprima’ (RTJ 87/324). Destarte, verificando que o acórdão embargado não se ressente de eventual deficiência, tem-se que os embargos afrontam a especificidade da simples declaração. Com tais considerações, rejeito os embargos de declaração opostos” (345-7). Nada colhe o agravo. A alegada infringência ao art. 226, § 3º, da Carta Política, no caso, somente poderia ser constatada a partir da análise da legislação infraconstitucional apontada no apelo extremo (Lei 9.278/96 e Código Civil), o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. O Tribunal local, com base nas declarações das testemunhas e nos documentos juntados aos autos, reconheceu a existência dos elementos caracterizadores da união estável (“envolvimento amoroso entre o apelado e a falecida, … animus de se constituir uma relação familiar estável, ou seja, do elemento psíquico necessário à estruturação de uma família, com todos os deveres típicos da relação entre os companheiros” – fls. 325). Rever esse posicionamento implica a reapreciação dos elementos probatórios,de tal modo que, se afronta ocorresse, seria indireta, o que não atende à exigência do art. 102, III, “a”, da Lei Maior. Precedentes desta Suprema Corte na matéria: “Agravo regimental no recurso extraordinário. Pretendido reconhecimento da existência de sociedade de fato entre as partes, com partilha de bens. Decisão atacada que apreciou adequadamente as questões em debate nestes autos. Eventuais ofensas que se referem ao plano infraconstitucional. Precedentes. 1. Discussão acerca do reconhecimento e da dissolução de sociedade de fato, porque dependente da análise de normas infraconstitucionais, bem como dos fatos da causa, configura ofensa meramente reflexa à Constituição Federal. 2. Inexistência de violação direta da norma do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, a qual apenas determina o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, remetendo à legislação comum a facilitação de sua conversão em casamento. 3. Agravo regimental não provido” (STF-RE 300.964-AgR/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 19.9.2011), (destaquei). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. PRESENÇA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. LEI N. 9.278/96 E CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. ART. 323 DO RISTF C.C. ART. 102, III, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). 2. Consectariamente, se inexiste questão constitucional, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da CF). 3. Deveras, a controvérsia sub judice, acerca da presença, ou não, dos requisitos necessários ao reconhecimento da união estável, é de índole infraconstitucional, assim como foi decidida à luz do contexto fático-probatório engendrado nos autos. Por isso, além de eventual ofensa à Constituição ocorrer de forma indireta, para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, como deseja o recorrente, necessário seria o reexame de fatos e provas, o que inviabiliza o extraordinário, a teor do Enunciado da Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal, que interdita a esta Corte, em sede de recurso extraordinário, sindicar matéria fática, verbis: para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. (Precedentes: AI n. 651.296-AgR, Relator a Ministra Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe de 07.11.08; AI n. 739.232-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe de 01.10.10; AI n. 847.778-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJe de 13.10.11, entre outros). 6. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF-RE 665.333-AgR/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 17.4.2012), (destaquei). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS (SÚMULA 279). AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (AI 651.296-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 7.11.2008),(destaquei). “RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Sociedade de fato e união estável. Acórdão impugnado que decidiu a causa com base em reexame de provas e legislação infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte” (STF-RE 552.476-AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe 28.3.2008).(destaquei) Conheço do agravo para negar-lhe provimento (art. 544, § 4º, II, “a”, do CPC). Publique-se. Brasília, 14 de setembro de 2012. Ministra Rosa Weber Relatora

(STF – ARE: 639873 MG , Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 14/09/2012, Data de Publicação: DJe-187 DIVULG 21/09/2012 PUBLIC 24/09/2012)

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