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TJSC: Esterilização de incapaz

Ascom

(…) A Constituição da República prevê:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[…]

§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.§ 8º – OO Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. A Lei n. 9.263/1996, que regula o § 7º do art. 226 da Constituição da República, por sua vez, determina: Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: § 6ºº A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.

PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ESTERILIZAÇÃO DE INCAPAZ AJUIZADO POR REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A PEDIDO DE CURADORA. INTERDITA QUE SOFRE DE RETARDO MENTAL MODERADO E QUE APRESENTA LIBIDO ACENTUADA. DIFICULDADE DE ADMINISTRAÇÃO DE MÉTODOS CONTRACEPTIVOS. PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA QUE SE MOSTRA RECOMENDÁVEL AO CASO CONCRETO. RECURSO PROVIDO.

(TJ-SC – AC: 735434 SC 2010.073543-4, Relator: Nelson Schaefer Martins, Data de Julgamento: 07/06/2011, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Garopaba)

Dados do Documento
Processo: Apelação Cível nº
Relator: Nelson Schaefer Martins
Data: 2011-06-07
Apelação Cível n. , de Garopaba

Relator: Des. Nelson Schaefer Martins

PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ESTERILIZAÇÃO DE INCAPAZ AJUIZADO POR REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A PEDIDO DE CURADORA. INTERDITA QUE SOFRE DE RETARDO MENTAL MODERADO E QUE APRESENTA LIBIDO ACENTUADA. DIFICULDADE DE ADMINISTRAÇÃO DE MÉTODOS CONTRACEPTIVOS. PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA QUE SE MOSTRA RECOMENDÁVEL AO CASO CONCRETO. RECURSO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. , da comarca de Garopaba (Vara Única), em que é apelante o Ministério Público do Estado de Santa Catarina e interessada J. S. P., representada por sua curadora V. S. P.:

ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas na forma da Lei.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs apelação cível contra a sentença da lavra da Juíza de Direito Drª. Cláudia Margarida Ribas Marinho, da comarca de Garopaba que, ao analisar pedido de autorização judicial para esterilização de incapaz, indeferiu-o.

O apelante asseverou, em síntese, que: a) a interdita J. S. P. é absolutamente incapaz por sofrer de retardo mental moderado, conforme está comprovado por decisão em ação de interdição n. 167.05.003226-2, em que fora nomeada sua mãe como curadora; b) a favorecida teria libido acentuada e necessitaria de supervisão constante; c) a laqueadura seria a medida mais indicada para o caso pois os demais métodos contraceptivos disponíveis seriam de difícil administração à incapaz pela curadora; d) a eventual gravidez, resultante de ato criminoso, causaria maiores danos à incapaz enquanto que o procedimento pleiteado está previsto na Lei n. 9.263/1996, que trata do planejamento familiar; e) a legislação autorizaria a realização de aborto em caso de gravidez resultante do crime estupro mas a cirurgia de esterilização seria menos gravosa.

O Ministério Público, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Dra. Vera Lúcia Ferreira Copetti, opinou pelo provimento do apelo para que se defira o pedido (fls. 52/57).

VOTO

Trata-se de pedido de autorização judicial para esterilização de incapaz formulado pelo representante do Ministério Público na comarca de Garopaba em favor de J. S. P., representada por sua mãe e curadora V. S. P., sob o argumento de que a interdita corre o risco de uma gravidez indesejada em razão do seu comportamento e da sua falta de discernimento relacionada à sua sexualidade.

A sentença indeferiu o pedido por entender que existem outros métodos contraceptivos mais adequados a controlar a situação que não submeteriam a incapaz a procedimento cirúrgico.

A Constituição da República prevê:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[…]

§ 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.§ 8º – OO Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
A Lei n. 9.263/1996, que regula o § 7º do art. 226 da Constituição da República, por sua vez, determina:

Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: § 6ºº A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.

No caso concreto, J. S. P. nasceu em 13.08.1985 (fl. 09) e teve sua incapacidade declarada por sentença datada de 22.01.2008 (fl. 12) diante de comprovado retardo mental moderado – CID 10 F71 (fl. 16).

A interdita frequenta a sede da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE da comarca de Garopaba, local em que foram identificadas atitudes que revelam sua ausência de discernimento no tocante a ações relacionadas com a sexualidade.

O relatório escolar confeccionado pela Psicóloga e pela Pedagoga da instituição mencionou:

[…] é teimosa e tem muita dificuldade de controlar seus impulsos. Assim que começou a frequentar a escola, agredia os colegas com chutes, tapas e beliscões, quando repreendida se auto-agredia até sangrar sua pelé.

[…]

Além de não controlar sua fala, […] também apresenta libido acentuada, sendo necessária supervisão/vigilância constante, pois quando tem oportunidade ela assedia rapazes com gestos e toques. […]

Diante destes fatos, já foram realizadas várias orientações à família quanto à conduta da aluna, no entanto estamos encontrando dificuldade considerável quanto ao cumprimento da mesma. (fl. 07).

A genitora e curadora, por sua vez, afirmou em declaração prestada ao representante do Ministério Público da comarca de Garopaba que “ela não mantém relacionamento sexual, pelo que a declarante tem conhecimento, mas às vezes foge de casa e vem para o centro da cidade, causando tal fato receio à declarante, já que ela tem um corpo bonito e pode chamar a atenção de homens mal intencionados” (fl. 06).

Em 01.09.2010 o Ministério Público ofereceu denúncia criminal contra antigo motorista que transportava J. S. P. até a instituição de ensino que frequenta, acusado da prática de atos libidinosos com a jovem (fls. 42/45).

Verifica-se pelos elementos dos autos que os temores de uma gravidez indesejada, caso J. S. P. seja vítima de violência sexual, são presumíveis.

A sentença consignou:

[…] acredito que uma medida mais salutar e menos gravosa seria fornecer à incapaz anticoncepcionais, seja aqueles em forma de comprimido, ou outros como DIU ou injeções. Até mesmo os comprimidos poderiam ser ministrados pela própria curadora, como faz com outros medicamentos, conforme informado pela incapaz durante seu interrogatório. (fl. 30)

Ocorre que a utilização dos métodos contraceptivos disponíveis atualmente requer uma forma de disciplina e de compreensão que estão além da realidade da interdita, que inclusive apresenta “comportamento infantilizado, quando contrariada ou propriamente quando solicitada alguma atividade que não deseja efetuar” , conforme relatório elaborado por pedagoga e psicóloga da Escola Especial Renascer mantida pela APAE de Garopaba, em 13.06.2005 (fl. 07).

Não é possível crer que sua curadora poderá zelar pelos interesses da incapaz por prazo de tempo indefinido. Ademais, a incapacidade de J. S. P. não é passível de reversão, de forma que perdurará por toda sua vida adulta, submetendo-a à possibilidade de vir a apresentar uma gravidez indesejada.

Acerca do tema, colhe-se precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo em Apelação Cível n. 267.501.4/0, de Vargem Grande do Sul, rel. Des. Ruiter Oliva, Nona Câmara de Direito Privado, j. 10.06.2003:

MENOR – PORTADORA DE “SÍNDROME DE DOWN” – LIBIDO EXACERBADA – AUTORIZAÇÃO PARA CIRURGIA DE ESTERILIZAÇÃO NEGADA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE RECOMENDAM A MEDIDA – RECURSO PROVIDO.

Aconjunção carnal comalienada mental configuraem tese, o crime de estupro e, se nesse caso, a lei autoriza o mais,ou seja, a interrupção da gravidez, não há razão parase negar omenos, ou seja, a cirurgia para esterilização.

Colhe-se trecho do r. acórdão:

[…] A apelante insiste na concessão de alvará autorizando sua filha menor a submeter-se a cirurgia de esterilização.

A menor é portadora de “Síndrome de Down” (fls. 9) e a prova pericial constatou que “apresenta um quadro de retardo mental” (…) “associado a aumento da libido, tendo um maior risco de ser explorada ou sofrer abuso sexual, havendo indicação para esterilização definitiva” (fls. 18).

A literatura médica aponta que é comum em pessoas portadoras de distúrbios dessa espécie ter a libido exacerbada.

É evidente que a mãe, que trabalha, não pode exercer vigilância contínua, e por isso mesmo a menor pode se ver exposta a relacionamento sexual, inclusive com pessoas que mal conhece, e que pode resultar em gravidez de homem que não pode ser identificado.

Examinando caso parelho, este Colendo Tribunal assentou que a conjunção carnal com alienada mental configura, em tese, o crime de estupro e, se nesse caso, a lei autoriza o mais, ou seja, a interrupção da gravidez, não há razão para se negar o menos, ou seja, a cirurgia para esterilização. […]

Ressalta-se que uma eventual gravidez de J. S. P. seria caracterizada como ato criminoso contra incapaz, sendo-lhe autorizada a realização de procedimento pra abortar o feto.

Logo, diante da comprovação de que a realização de cirurgia de laqueadura apresenta-se como o método contraceptivo mais indicado ao caso concreto, acolhe-se a pretensão ministerial.

DECISÃO

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Sérgio Izidoro Heil e Gilberto Gomes de Oliveira.

Florianópolis, 26 de maio de 2011.

Nelson Schaefer Martins

Presidente e Relator

Gabinete Des. Nelson Schaefer Martins

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