Pressione "ENTER" para buscar ou ESC para sair

TJSP: Culpa e divórcio

Ronner Botelho

(…) A respeito desse tema da abolição da discussão da culpa para a dissolução do casamento, oportuno se mostra transcrever, a seguir, as lucidas palavras do Professo RODRIGO DA CUNHA PEREIRA: Não há ganhadores ou perdedores em uma disputa em que se busca um culpado e se perdem a referencia e a noção do mal e das marcas indeléveis que o litigio deixa, principalmente nos filhos. Mesmo antes da abolição da culpa pela referida Emenda Constitucional, a melhor doutrina e jurisprudência já tinham entendido a sua inutilidade e que tais discussões alem de fomentar o ódio, não devem ter interferência ou chancela do Estado, afinal não ha interesse publico em se investigar a intimidade de um casal e encontrar culpados ou inocentes. (in “Divorcio – Teoria e Pratica”, Ed. GZ, 2011, RJ, 3ª edicao, pag. 51, sem grifos no original)

Processo 1029276-47.2019.8.26.0405 – Divorcio Litigioso – Dissolução – L.M.N. – J.V.R.M. – 1. Já tendo a lide alcançado sua estabilidade jurídica com a citação da re e o oferecimento de contestação por parte desta ultima, necessário se mostra agora proceder ao saneamento do feito. Porquanto a re tenha impugnado o beneficio da Assistência Judiciaria gratuita concedido inicialmente ao autor, o julgamento do presente incidente processual depende, necessariamente, das provas documentais que ainda serão produzidas durante a fase de instrução que se inicia agora, notadamente quanto a pesquisa para obtenção de informações mais precisas a respeito da capacidade financeira do autor, motivo pelo qual sua apreciação fica relegada para momento posterior apos o encerramento da fase instrutória. 2. Observo que a questão a respeito da decretação do divorcio e matéria apenas de direito e não ha qualquer oposição que possa ser levantada pela parte contraria, de modo a impedir o reconhecimento desse direito potestativo do cônjuge que não tem mais interesse na manutenção do vinculo conjugal, o que, no entanto, não afasta a necessidade da observância do principio constitucional do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), que se da com a citação da parte contraria, pois somente assim, com a instauração previa do contraditório, e que não ocorrera conflito com a previsão contida no art. 356 do Código de Processo Civil que permite a realização de julgamento parcial de mérito. Desse modo e porque ambas as partes estão de acordo com a decretação do divorcio, tanto e assim que a re expressamente concordou com a dissolução antecipada do vinculo conjugal em sua contestação e ate mesmo com a antecipação da tutela jurisdicional quanto a este ponto (fls. 84, item “i”), contando com a aquiescência do autor (fls. 249/250 e 252/253), JULGO, de forma antecipada, PARCIALMENTE O MÉRITO da presente lide, a fim de acolher o pedido principal aqui deduzido, a fim de DECRETAR O DIVORCIO do casal LUIGI MORENA NETO e JULIANA DE VIVEIROS RODRIGUES MORENA, ambos devidamente qualificados nos autos, por entender que estão preenchidos os requisitos legais exigidos pelo art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988, com a nova redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 66/2010, o que faco com fundamento nos artigos 356 e 487, I, ambos do Novo Código de Processo Civil. Em consequência, DECLARO cessados definitivamente os deveres de mutua assistência, fidelidade reciproca, coabitação e regime de bens entre os consortes, devendo a re voltar a utilizar seu nome de solteira: JULIANA DE VIVEIROS RODRIGUES, como pleiteado por ela as fls. 84, item “i”. Tratando-se de pedido formulado conjuntamente pelas partes e com a expressa concordância de ambas, o transito em julgado da presente decisão opera-se desde logo pela ausência de interesse recursal quanto a este tema (divorcio), independentemente de certidão cartorária nesse sentido. ESTA SENTENÇA SERVIRA COMO MANDADO DE AVERBAÇÃO, através de copia digitalizada e assinada eletronicamente, para os fins de direito e com as observações aqui determinadas, para sua inscrição no Cartório de Registro Civil competente, desde que acompanhada das copias necessárias e de outro (s) documento (s) e/ou pecas processuais exigidas por aquela serventia extrajudicial, que devem ser impressas diretamente no portal e-SAJ do Tribunual de Justiça e remetidas pela parte interessada. Se aplicável, poderá nesta ser exarado o respeitável “CUMPRA-SE” do Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Corregedor Permanente Competente, ordenando seu cumprimento e remessa de certidão retificada, quando for o caso. 3. Assim, já tendo o autor se manifestado sobre os termos da contestação oferecida pela re e inexistindo outras questões prejudiciais ao mérito a serem apreciadas, DOU O FEITO POR SANEADO, mesmo porque as partes são legitimas e estão devidamente representadas nos autos, como também por estarem preenchidas as condições da ação e pressupostos processuais atinentes a especie. 4. Por mostrar-se pertinente ao caso, DEFIRO a produção de prova documental, pericial e testemunhal, tal como pleiteado por ambas as partes, consistente na consulta a órgãos públicos e expedição de oficios as instituições financeiras do pais visando a obtenção de informações a respeito da efetiva capacidade financeira do autor para possibilitar a este Juízo ter acesso a elementos concretos que permitam fixar o valor da obrigação alimentar pleiteada a quem de direito e a partilha de bens comuns do casal. Assim sendo, determino que a Serventia adote as providencias abaixo elencadas: a) consulta ao sistema INFOJUD, a fim de que se obtenha copias das declarações de rendimentos do autor dos exercícios fiscais de 2019 e 2020, que corresponde ano da separação de fato do casal (novembro de 2019) e do ajuizamento da presente Ação; b) consulta ao sistema BACENJUD, a fim de que obter informações a respeito de contas bancarias e/ou aplicações financeiras em nome do autor, posto que somente a re pleiteou prova nesse sentido (fls. 204/218), nada tendo requerido o mesmo em relação a re quando especificou suas provas (fls. 198/199). E, com a vinda das respostas aos autos, especam-se oficios aquelas Instituições Financeiras que apresentarem resultado positivo, a fim de que forneçam extratos de movimentação financeira das respectivas contas bancarias e/ou aplicações financeiras em nomes do autor, inclusive fundos de previdência privada e acoes, especificando se se tratam de contas individuais ou em cotitularidade com outra pessoa, identificando esta ultima, se o caso, em especial aquelas apontadas as fls. 207, a partir do inicio de 2019, que corresponde ao ano da separação de fato do casal (novembro de 2019) e do ajuizamento da presente acao; c) oficie-se ao Sistema DIMOF/DECRED para obtenção de extrato de movimentação financeira de cartoes de credito em nome do autor, a partir do inicio do ano de 2019, visando verificar se sua movimentação financeira por esta forma de transação bancaria, durante esse período, mostra-se compatível com as alegações apresentadas por ele em sua petição inicial; d) consulta aos sistemas ARISP e RENAJUD para verificação de existência de bens imoveis e veiculos registrados em nome do autor passiveis de demonstrar seu padrão de vida e a compatibilidade de seu patrimônio com as alegações constantes de sua peca de defesa. Em consequência, fica dispensada a expedição de oficios as Prefeituras Municipais referidas pela re as fls. 208, uma vez que a consulta ao Sistema ARISP ja suprira as informações ali desejadas. e) oficie-se a empresa operado do plano de saúde contratado pelo autor para que informe se ele e o filho Bernardo, como seu dependente, continuam associados aquele empresa e qual o valor atual da mensalidade de manutenção que vem sendo paga por cada um deles, cabendo a re, que foi quem pleiteou a produção dessa prova (fls. 208), indicar o nome da referida empresa de saude complementar e o seu respectivo endereço, a fim de viabilizar a produção dessa prova; Com a juntada de todas as respostas aos oficios aqui determinados, as partes deverão ser intimadas para que se manifestem no prazo comum de 10 dias. Já a prova pericial, consistente na realização de estudos social e psicológico, terá por objetivo a comprovação não apenas da situação de habitabilidade e higiene dos lares onde os genitores residem e dos ambientes que ali tem proporcionado ao filho, como também o equilíbrio emocional e comprometimento que as mesmas tem apresentado durante os períodos que a criança se encontra em suas companhias, inclusive indícios de presença de algum vicio (como, por exemplo, consumo em excesso de álcool ou drogas) que possa prejudicar ou expor a criança perigo de dano durante sua permanência em companhia dos mesmos, permitindo assim a este Juízo aquilatar a pertinência do pedido de mudança de guarda deduzido pelo autor através da presente ação, face aos superiores interesses da criança. Oportunamente, com a vinda do estudo psicossocial aos autos e havendo algum indicio concreto de adicção em relação a qualquer dos genitores, este Juízo analisara a pertinência ou não de realização de exame toxicológico. Pelo fato do requerente ser beneficiário da Assistência Judiciaria gratuita, fica dispensado, por ora, do pagamento dos serviços a serem prestados pelas técnicas deste Juízo. Por isso, determino que, assim que retomada a normalidade das atividades forenses com o fim do estado de Quarentena, seja oficiado, ao Setor Técnico desta Comarca para realização de estudo psicossocial, instruindo o oficio com as principais pecas destes autos (autorizo xerox). Oportunamente, com a juntada daquele trabalho pericial aos autos, sera designada data para realização de audiência de instrução e julgamento para colheita da prova testemunhal, a qual terá por finalidade trazer ao conhecimento deste Juízo noticias a respeito do comportamento e cuidado que as partes tem dispensado ao filho Bernardo durante o período que o menino se encontra em sua companhia de cada um deles, visando assim estabelecer as condições adequadas para a regulamentação definitiva da guarda do menor e do direito de visitas em relação aquele genitor que não for exercer a custodia física da criança. Ficam indeferidos, no entanto, todos os demais pedidos de provas por não se mostrarem pertinentes a hipótese dos autos, notadamente quanto a pretensão da re para que os sócios da empresa ARTR Empreendimentos Imobiliários Ltda. sejam intimados para que prestem os esclarecimentos solicitados por ela as fls. 207/208, uma vez que a informação buscada já consta expressamente da declaração apresentada por seu representante legal, subscrita conjuntamente pelo contador daquela pessoa jurídica, conforme documento de fls. 165, que o autor …nunca recebeu qualquer valor da empresa quer seja a titulo de pro-labore ou distribuição de lucros, conforme previsto em clausula especifica da segunda alteração contratual, devidamente registrada em 25/02/2011. Quaisquer outras informações alem daquelas ja prestadas referentes a distribuição de lucros entre seus sócios, contraprestação por serviços de administração prestados a empresa e eventuais relações trabalhistas entre aquela pessoa jurídica e o autor extrapolam os limites de investigação passiveis de serem admitidos no bojo desta ação e deverão ser veiculados através de via judicial pertinente, mesmo porque baseadas em meras suposições lancadas pela re (…Aparentemente, o autor retirou-se convenientemente da sociedade que integrava… – fls. 207, sem grifos no original). Fica indeferido também o pedido de expedição de oficio a empresa Google para os fins pleiteados pela re as fls. 208, posto que a Emenda Constitucional nº 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, paragrafo sexto da Constituição Federal, afastou qualquer discussão de culpa como fundamento para a decretação do divorcio, mostrando-se assim totalmente inútil a produção daquela prova para a prestação jurisdicional pleiteada através da presente ação, a qual, inclusive, já foi entregue em momento anterior da presente decisão, com a decretação do divorcio do casal em julgamento parcial de mérito. Ha que se ponderar também que a nova ordem constitucional inaugurada com a Emenda Constitucional nº 66/2010 passou a prever o divorcio como a unica forma de extinção do vinculo conjugal – não mais o condicionou a previa decretação da separação judicial ou a prazos, desvinculado-o, portanto, de qualquer causa especifica (leia-se: discussão de culpa) e, com isso, colocando nosso ordenamento jurídico pari passu com as legislações mais modernas de países como Áustria, Grã Bretanha e Alemanha – dai porque insistir em querer continuar discutindo a “culpa” dentro do processo de divorcio implicaria em evidente violação ao principio constitucional que rege o Direito de Família, qual seja: o da Intervenção Mínima Estatal, posto que faria persistir, entre outros efeitos, nas palavras de Paulo Luiz Netto Lobo: “… que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de seus familiares sejam reveladas e trazidas ao espaço publico dos tribunais, com todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação.” (in “Direito Civil – Famílias”, Ed. Saraiva, São Paulo, 2009, pag. 127), estabelecendo, dessa forma, o principio da ruptura do afeto como único fundamento para a decretação do divorcio. Isto porque o legislador constituinte derivado acabou percebendo que, na verdade, não havia interesse publico na discussão da culpa pelo fim do casamento, na medida em que tal embate não privilegiava a busca do bem comum, mas tao somente servia para instigar e sustentar litígios entre os ex-consortes, os quais acabavam utilizando-se do Poder Judiciário para atingir interesses meramente individuais como rancores e magoas, que nada contribuíam para a paz social ou mesmo melhoravam a vida do ex-casal mas, ao contrario, acabava resvalando, quase sempre, na higidez psicológica dos filhos que, muitas vezes, ainda que inconscientemente, eram usados como instrumentos nessa disputa, desviando-se assim o ordenamento jurídico do principio da busca do melhor interesse da criança e do adolescente elegido pelo legislador constituinte no art. 227 da Constituição Federal, como de prioridade absoluta a ser buscada não só por nossa legislação, mas também pelos operadores do direito na sua atividade interpretativa. A respeito desse tema da abolição da discussão da culpa para a dissolução do casamento, oportuno se mostra transcrever, a seguir, as lucidas palavras do Professo RODRIGO DA CUNHA PEREIRA: Não há ganhadores ou perdedores em uma disputa em que se busca um culpado e se perdem a referencia e a noção do mal e das marcas indeléveis que o litigio deixa, principalmente nos filhos. Mesmo antes da abolição da culpa pela referida Emenda Constitucional, a melhor doutrina e jurisprudência já tinham entendido a sua inutilidade e que tais discussões alem de fomentar o ódio, não devem ter interferência ou chancela do Estado, afinal nao ha interesse publico em se investigar a intimidade de um casal e encontrar culpados ou inocentes. (in “Divorcio – Teoria e Pratica”, Ed. GZ, 2011, RJ, 3ª edição, pag. 51, sem grifos no original). 5. Por fim, quanto ao pedido formulado pelo autor em suas manifestações de fls. 249/250 e 252/253, muito embora este Juízo não tenha proibido expressamente o exercício de seu direito de visitas em relação ao filho, tanto que o fixou de forma provisoria através da decisão de fls. 193/195, as limitações ao seu exercício decorriam da situação de isolamento social máximo decretado pelo Governo do Estado de São Paulo naqueles momentos iniciais mais agudos da pandemia decorrente do novo coronavirus (COVID-19) que havia restringindo bastante a circulação de pessoas por ruas da cidade. Tal situação, no momento, já tem dados mostras de arrefecimento, tanto que o Governo Paulista já colocou a Capital do Estado e sua região metropolitana no estagio “amarelo”, segundo o mapa de controle epidemiológico instituído pelo Plano São Paulo, cessando assim, por ora, aquela restrição total a circulação de pessoas por ruas dessas cidades e já permitindo os deslocamentos com um pouco mais de liberdade, embora com a exigência de observação de todas as medidas de higiene tao divulgadas pelas autoridades de saúde (utilização de mascara facial, higienização das mãos com Álcool-gel e etc.). Em sendo assim e desde que observados esses cuidados essenciais de higiene e imunização, e não se apresentando nenhum outro fator relevante que impeça o contato entre pai e filho como, por exemplo, ter o autor contraído o COVID-19 e estando ainda com o vírus ativo em seu organismo, nada impede o exercício do direito de visitas provisório fixado anteriormente por este Juízo através da decisão de fls. 193/195. Intimem-se. – ADV: VINICIUS DE OLIVEIRA MACIEL (OAB 199938/SP), AMAURY VILLACA SCAGLIONE (OAB 186014/SP), SERGIO DE OLIVEIRA (OAB 154357/SP)

Open chat
Posso ajudar?