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Falta de lei específica causa divergências em programa de apadrinhamento afetivo

claudiovalentin

Fonte: ZH notícias

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Regras não são uniformes

Os programas de apadrinhamento afetivo, embora reconhecidos como iniciativas louváveis de acolhimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, não têm base legal. Os termos de cooperação firmados entre as instituições sociais e órgãos governamentais criam brechas, segundo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFam:

— Se não há legislação própria, vai de acordo com o posicionamento subjetivo de cada julgador, que deve ser imparcial, mas nunca é neutro. Pode haver disparidade nas interpretações desses regulamentos, algo que acaba prejudicando a proteção da criança.

Por exemplo: o programa do Instituto Amigos de Lucas, ativo desde 2002, afirma que os pretendentes a “dindos” não podem se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). No entanto, para o IBDFam, essa restrição não está formalizada.

— Seria interessante se o apadrinhamento fosse uma ponte para a adoção. Por que não, se são os padrinhos que se tornam a referência de afeto para aquela criança? — questiona Pereira.

Outra disparidade é entre a idade mínima que o apadrinhado deve ter. No Amigos de Lucas, é de cinco anos. No Abrigo João Paulo II, que está desenvolvendo um projeto-piloto de apadrinhamento (também por meio de termo de cooperação entre Justiça e MP), este limite se amplia para sete.

É uma medida para priorizar, no apadrinhamento, crianças que não têm muita chance de adoção. Do total de adultos inscritos no CNA, 20% aceita pequenos de até três anos de idade — o percentual cai para menos de 5% quando eles ultrapassam os cinco anos.

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— O apadrinhamento é fundamental para a criança que não é adotada. É uma oportunidade de colocá-la em convivência social para além dos muros da casa de acolhimento. Ninguém quer restringir o programa, queremos ampliar. Mas já que não há lei, é preciso respeitar esses regramentos mínimos, para que a criança esteja protegida — diz a promotora de Justiça da Infância e da Juventude Cinara Braga.

Os regramentos a que se refere dizem respeito, também, a oficinas de capacitação para os candidatos a padrinhos. Os interessados em escolher uma criança para ajudá-la nas tarefas do colégio, levar ao médico, ir ao cinema e brincar fora do ambiente do abrigo são treinados a não provocar a ilusão de que são eles os novos pais. Mora aí o perigo dos apadrinhamentos “informais”:

— Às vezes, só o fato de alguém tirá-la do abrigo aos domingos para passar o dia fora já cria um tipo de vínculo que, se rompido, pode trazer ainda mais prejuízo à criança, justamente por sua estrutura frágil que facilita uma relação de dependência — alerta a procuradora de Justiça e membro da comissão organizadora do programa de apadrinhamento afetivo da Amigos de Lucas, Maria Regina de Azambuja, também professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

De acordo com ela, todos os abrigos de Porto Alegre são convidados anualmente a integrar o programa — poucos aderem. De qualquer forma, o caso da casa-lar onde vive Marcelo não é visto como irregular por alguns promotores.

— Não há uma obrigatoriedade de que a casa busque a autorização judicial para seu programa de apadrinhamento. Eles agiram de boa-fé, assim como o casal. Hoje temos um vínculo afetivo que foi rompido e que certamente está prejudicando o desenvolvimento emocional do menino — afirma um deles.

E como na Constituição Federal está previsto que, para além de qualquer regra, o que deve ser levado em conta em primeiro lugar é o melhor interesse da criança, Ana e Paulo têm esperança de um dia poderem voltar a levar Marcelo ao McDonald’s, onde tanto se divertia.

— A fonte do Direito não são só as leis, são os costumes, os princípios. Tomar as regras como fetiche e tornar rígidas as formalidades pode levar a um esquecimento da essência, que neste caso, no fim das contas, é o que seria melhor para a criança — opina Pereira, do IBDFam.

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