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TJDF: Abandono afetivo e a reparação por danos morais e materiais

Ascom

Voto vencido: (…) Ou seja, mesmo diante da situação extrema pela qual passava a sua filha, então com apenas 12 (doze) anos de idade e correndo sério risco de perder a mãe, o réu sequer chegou a visitá-la. Aliás, pelo que consta dos autos, a autora jamais recebeu uma visita do pai, não havendo nenhuma correspondência, mensagem, fotografia, nada que demonstre qualquer tipo de convivência entre ambos, conforme consta do seu depoimento pessoal, in verbis: “que nunca esteve em restaurante com seu pai que não fosse no do próprio hotel em que ele mora; (…); que o requerido nunca esteve na residência da depoente em seu aniversário ou no natal levando presentes; que já teve vontade de procurar seus irmãos, mas nunca o fez por respeito a seu pai; (…); que o requerido explicava à depoente que não podia ir à situações que ela demandou sua presença; que não sabe informar se seu pai também é ausente a eventos envolvendo seus filhos havidos no casamento, mas que já viu diversas fotos dele com seus filhos em eventos sociais; que a depoente via essas fotos na internet; (…); que ganhou computador, máquina fotográfica de seu pai a pedido da depoente; (…)” (fls. 483/484)(TJ-DF – APC: 20120110447605 DF 0012790-27.2012.8.07.0001, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 14/05/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 13/08/2014 . Pág.: 121)

Órgão : 2ª TURMA CÍVEL

Classe : APC – APELAÇÃO CÍVEL

N. Processo : 2012 01 1 044760 5

Apelante (s) : A.F.D. e OUTRO(S)

Apelado (a) (s) : OS MESMOS

Relator Des. : J. J. COSTA CARVALHO

Revisor Des. : SÉRGIO ROCHA

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE ELEMENTOS ATENTATÓRIOS AO DIREITO DA PERSONALIDADE. OMISSÃO DO DEVER DE CUIDADO. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA.

1. A compensação por danos morais em razão de abandono afetivo é possível, mas em situação excepcional. A exemplo da arquitetura jurídica construída para que o reconhecimento do dano moral não representasse a monetarização dos direitos da personalidade, igual entendimento serve à pretensão de compensação por abandono afetivo. Não se trata, de modo algum, de quantificar o amor ou o afeto dispensado pelos pais aos filhos, mas de aferir a presença ou não de violação ao dever de educar (inerente à paternidade/maternidade), reconhecido em nosso ordenamento jurídico.

2. A configuração de conduta ilícita para fins de abandono afetivo imprescinde da presença de alguns elementos no caso concreto a caracterizar sua excepcionalidade. Assim, a conduta do genitor apta a dar azo à “reparação” de direito da personalidade deve conter negativa insistente e deliberada de aceitar o filho, além do manifesto desprezo com relação a sua pessoa.

3. Não se vislumbra a omissão do dever de cuidado do genitor para com sua filha quando ausente qualquer espécie de negação deliberada de seus deveres como pai, tanto por desconhecimento dessa condição, no período que antecedeu ao exame de DNA, quanto posteriormente, e aqui por contingências profissionais. Ainda que reprovável o pouco contato existente entre pai e filha, resta cristalino o fato de não ter agido o mesmo com má-fé no intuito de humilhá-la ou rejeitá-la perante a sociedade.

4. Recurso do réu conhecido e provido. Prejudicado o recurso da autora.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, J.J. COSTA CARVALHO – Relator, SÉRGIO ROCHA – Revisor e LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal, sob a presidência do senhor Desembargador J.J. COSTA CARVALHO, em DAR PROVIMENTO AO APELO DO RÉU E JULGAR PREJUDICADO O APELO DA AUTORA, MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 14 de maio de 2014

Des. J. J. COSTA CARVALHO

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de ação de compensação por danos morais ajuizada por R. A. F. D. em face de A. F. D., no desiderato de ser reparada em R$3.000.000,00 (três milhões de reais) por ofensa aos seus direitos da personalidade ocasionada em razão de alegado abandono afetivo de seu genitor.

A eminente magistrada da 23ª vara cível de Brasília julgou procedente o pedido, “para condenar o réu a pagar à autora a quantia de R$700.000,00 (setecentos mil reais), devidamente atualizada a partir desta data (Enunciado n. 362 da Súmula do STJ) e acrescida de juros de 1% (um por cento) ao mês, da data do evento danoso, fixada em 24/6/2005 (fls. 44/45) (Enunciado n. 54 da Súmula do STJ)”.

Inconformadas com a solução dada à lide, as partes recorrem.

No primeiro apelo (fls. 557/613), devidamente preparado (fl. 614), o réu suscita preliminar de nulidade da sentença por ausência de produção de prova pericial e inversão da marcha processual.

No mérito, defende, em síntese: a) irreparabilidade civil em decorrência de abandono afetivo por inexistir previsão normativa de dar afeto; b) absoluta excepcionalidade dos casos reconhecidos pelo judiciário, desde que comprovada a omissão voluntária e insistente do genitor em propiciar o amparo moral ao filho; c) não configuração de ato ilícito e d) ausência de nexo causal entre a conduta do réu e os danos alegados. Acaso mantida a condenação, sustenta a excessividade do quantum fixado a título de indenização, bem como a alteração do termo inicial de incidência dos juros moratórios para a data do arbitramento judicial.

A autora, por sua vez, pede a reforma da r. sentença no intuito de majorar, ao valor deduzido na exordial, o montante estabelecido como refrigério para o alegado abandono afetivo.

Elenca, para tanto, outras condutas que reputa gravíssimas e contrárias ao ordenamento jurídico perpetradas pelo réu e não consideradas no decisum, a exemplo de: a) data inicial do abandono, consoante notificação extrajudicial de fl. 180/183; b) discriminação afetiva e material em relação aos irmãos do casamento; c) desamparo nas situações de doença grave da mãe; d) desobediência à ordem judicial de inclusão no plano de saúde; e) não pagamento de pensão determinada durante longo período (de 2005 a 2009) (fls. 630/662).

Preparo dispensado, pois concedida a gratuidade de justiça à fl. 191.

Contrarrazões às fls. 671/721 e 723/732, pela parte autora e ré, respectivamente.

O Ministério Público se manifestou nos autos, afirmando não ser o caso de intervenção (fls. 741/744).

É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO – Presidente e Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos e analiso-os conjuntamente.

Principio, pois, pela preliminar suscitada pelo réu, consistente no cerceamento de sua defesa ocasionado, segundo aduz, pelo indeferimento da prova pericial requerida pela parte autora e o consequente surgimento de seu interesse decorrente da inversão da marcha processual.

Ora, observo que a questão vertente foi submetida a esta Corte e devidamente afastada, por ocasião do julgamento do agravo de instrumento nº 2012.00.2.023343-7, estando, assim, albergada pelo manto da coisa julgada.

Rejeito a preliminar e adentro ao mérito.

Inicialmente, nada obstante a resistência de parcela da jurisprudência pátria, reputo cabível o pedido de compensação por danos morais em razão de abandono afetivo, seja como corolário do dever da família e de educação, seja como consectário da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável sob cujos pilares se funda a nossa sociedade.

A meu sentir, a exemplo da arquitetura jurídica construída para que o reconhecimento do dano moral não representasse a monetarização dos direitos da personalidade, igual entendimento serve à pretensão de compensação por abandono afetivo. Não se trata, de modo algum, de quantificar o amor ou o afeto dispensado pelos pais aos filhos, mas de aferir a presença ou não de violação ao dever de educar (inerente à paternidade/maternidade), reconhecido em nosso ordenamento jurídico.

Entendo, todavia entendo que a configuração de conduta ilícita para tal fim imprescinde da presença de alguns elementos no caso concreto a caracterizar sua excepcionalidade, vale dizer, a negativa insistente e deliberada de aceitar o parente cumulada com o desprezo com relação à sua pessoa. Isso porque não se pode banalizar o instituto tampouco ignorar o impacto negativo que pode advir ao próprio filho (a), provocado pela pecha de abandonado (a) afetivo, máxime sob a chancela do Judiciário.

Na hipótese, contudo, com a devida vênia da convicção firmada pela julgadora de primeiro grau, não vislumbro tais requisitos.

Em apertada síntese, destaco que em nada auxiliam as diversas questões patrimoniais levantadas pela autora, dada a especificidade da presente lide. Creio que a preservação de bens patrimoniais deve ser assegurada na seara própria não podendo ser aqui sopesadas.

A corroborar tal assertiva, há notícias nos autos de que as alegadas discriminações materiais em relação aos filhos do casamento do 1º apelante e o não pagamento da pensão são ou foram objeto de outras demandas judiciais, sendo temerária qualquer tentativa de, considerada a causa de pedir e a natureza dos pedidos, imiscuir naquelas lides tão diversas. Pondero apenas que, se por um lado o réu olvidou do cumprimento de sua obrigação de pagar alimentos, de outro causa estranheza o fato de a genitora, à época, na qualidade de representante da menor, conquanto de posse de título executivo (acordo de pensão homologado judicialmente, à fl. 45), ter aguardado longos anos para ingressar com a execução da verba alimentar destinada à sua filha.

Também se afigura desarrazoada a tese de que a data do abandono, para mero efeito de argumentação, seria a da notificação extrajudicial para tratar de “assunto íntimo” (fl. 181), de 1995, feita durante a gestação da autora em detrimento do exame de DNA realizado em 2005, no decorrer da ação negatória de paternidade nº 2002.01.1.073723-6. Ademais, não se pode olvidar que posteriormente foi a 2ª apelante registrada como filha de M. V. R. (fl. 320).

Com efeito, extrai-se dos autos que a autora é fruto de relacionamento esporádico e que somente 10 anos após o seu nascimento é que houve a confirmação da paternidade por parte do réu. Ele, então, diante do que lhe fora revelado, prontamente a reconheceu como sendo sua filha legítima e declarou o desejo de que o seu sobrenome fosse averbado no registro de nascimento da menor, consoante atesta o Termo de Audiência da Primeira Vara de Família de Brasília, à fl. 45. Outrossim, naquela ocasião se firmou o antes mencionado acordo para o pagamento de 6 salários mínimos e plano de saúde junto ao Senado Federal, a título de prestação alimentícia.

No particular, a demora de a autora ser incluída no plano de saúde do Senado (acordo judicial, fl. 47), igualmente não autoriza a ilação de abandono afetivo, especialmente diante da afirmação de ser adotado o sistema de reembolso para os Senadores e seus dependentes, além de comprovante de pagamento de despesa médica (fls. 327/329). Aliás, novamente causa estranheza, pois somente em 2011, portanto, decorrido mais de 6 anos daquele acordo, é que houvera a provocação do réu pela parte autora nesse desiderato.

No que tange ao alegado desamparo suportado pela 2ª apelante nas situações de doença grave de sua mãe, inexiste comprovação de que a autora tenha procurado seu pai, e, em resposta, obtido rejeição e desprezo. Ademais, sequer pode-se afirmar, indene de dúvidas, que o réu tenha sido cientificado de tais infortúnios.

Com relação à também alegada discriminação afetiva em relação aos irmãos do casamento, mais uma vez não a vislumbro devidamente comprovada. Nesse aspecto, vale conferir os seguintes excertos dos depoimentos prestados pela autora, réu e genitora da autora, às fls. 483, 485/486 e 488/489, respectivamente:

Autora: “que já teve vontade de procurar seus irmãos, mas nunca o fez por respeito a seu pai; (…) que o requerido explicava à depoente que não podia ir às situações em que ela demandou sua presença; que não sabe se seu pai também é ausente a eventos envolvendo seus filhos havidos no casamento, mas que já viu diversas fotos na internet (…)”

Réu: “que nunca tomou a iniciativa de aproximar a autora de seus filhos, eis que a autora nunca manifestou qualquer intenção nesse sentido e tampouco seus outros filhos; que seus outros filhos tem conhecimento da existência da autora; que quando houve o reconhecimento judicial da paternidade, comunicou o fato à sua esposa e aos seus filhos; (…) que nunca foi a alguma apresentação da autora na escola; que também não foi convocado a comparecer; que nunca foi da mesma forma nas apresentações de seus filhos do casamentos ou de outros familiares por absoluta impossibilidade (…)”

Genitora da autora: “que sempre era a depoente quem levava a autora para visitar o pai, mas que ele era muito ocupado e não tinha tempo, razão pela qual os encontros eram rápidos; (…) que além da pensão alimentícia paga pelo réu, a depoente se recorda de despesas extras efetuadas com tratamentos médicos, este em São Paulo e dentário (…); que não chegou a registrar boletim de ocorrência pelas ameaças e coações sofridas no início da gravidez porque queria preservar o requerido; (…)que não buscou a via judicial para uma regulamentação de visitas porque acreditava que isso afastaria as partes”.

Dessa forma, estabelecidas tais premissas fáticas, é inviável reconhecer na conduta do requerido qualquer espécie de negação deliberada quanto a seus deveres como pai, tanto por desconhecimento dessa condição, no período que antecedeu ao exame de DNA, quanto posteriormente, e aqui por contingências profissionais. Ainda que reprovável o pouco contato existente entre pai e filha, resta cristalino o fato de não ter agido o mesmo com má-fé no intuito de humilhá-la ou rejeitá-la perante a sociedade.

Friso, outrossim, que nem mesmo o desconhecimento da verdadeira realidade escolar da filha (mormente o transtorno de déficit de atenção – TDA), por si só, tem o condão de dar azo à compensação por danos morais em razão de abandono afetivo. Como se isso não bastasse, não foi demonstrado o nexo causal entre a patologia e a ausência do requerido que, repita-se, por 10 anos foi involuntária e depois disso dificultada pelo exercício de carreira política destacada, seja em seu Estado de origem, seja no plano nacional, como é de notório conhecimento.

É forçoso convir que toda criança deveria crescer ao lado dos pais, recebendo o suporte e o afeto necessários. Entretanto, essa não é a realidade da existência humana neste Planeta chamado Terra. Obstáculos todos enfrentam e em diferentes medidas, como demonstra a narrativa apresentada pela autora, de dificuldades que permearam sua vida.

Entretanto, a condenação do réu ao pagamento vindicado de três milhões de reais a título de indenização significaria, a meu sentir, imputar a ele toda a responsabilidade pelas agruras, em tese, sofridas pela autora, daí porque vejo a pretensão inviável no caso em apreço.

Não se quer e nem se pretende aqui justificar qualquer tipo de irresponsabilidade dos genitores em relação aos seus filhos, porém impende salientar que o ordenamento jurídico prevê apenas excepcionalmente a indenização nesses casos, não havendo que se falar em dano moral considerando o arcabouço fático-probatório existente nestes autos.

A corroborar o alinhavado, é de bom alvitre trazer à colação julgado deste c. Tribunal no qual também não foi reconhecido o dano moral derivado de abandono afetivo, in verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. REPARAÇÃO DE DANOS. ABANDONO PATERNO.

1. O abandono afetivo pelo pai não enseja compensação de dano moral aos filhos.

2. Ambos os pais são responsáveis pelas despesas necessárias ao sustento e educação dos filhos, sendo que a exigência do adimplemento dessa obrigação deveria ter sido feita oportunamente em ação de alimentos.

3. Incabível indenização de dano material sem prova do prejuízo alegado.

(20050410025043APC, Relator FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, julgado em 04/08/2010, DJ 09/08/2010 p. 77)

Conforme relatado, o apelo da Autora objetiva unicamente a majoração da verba arbitrada a título de danos morais.

Posto isso, conheço dos recursos. Dou provimento ao recurso do réu para reformar a r. sentença monocrática e julgar improcedente o pedido deduzido pela autora. Consequentemente, julgo prejudicado o apelo da Autora.

Em face da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), observada a gratuidade de justiça que lhe fora concedida.

É como voto.

O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA – Revisor

Adoto, inicialmente, o relatório da r. sentença, verbis:

“R. A. F. D., devidamente qualificada, assistida por sua mãe M. M. A. propõe pela via da tutela cognitiva a presente ação de compensação por danos morais decorrentes de abandono afetivo, em desfavor de A. F. D., igualmente qualificado no processo.

Sustenta a autora, em síntese, que em maio de 1994 deu-se início a gestação da requerente, sendo certo que tão logo soube da gravidez, o requerido passou a tentar das mais diversas maneiras evitar assumir a paternidade, de modo a livrar-se de suas obrigações de pai. Informa que no terceiro mês de gravidez, sua mãe foi procurada por assessores do réu para discutirem sobre a criança que viria a nascer. Aduz que sempre houve acompanhamento por assessores do demandado em relação aos exames a serem realizados, de modo a evitar, a todo custo, a divulgação da gravidez para que não houvesse influência na campanha eleitoral em curso pela qual pretendida o réu ver-se eleito Governador do Estado do Paraná. Afirma que houve promessa de pagamento do parto mediante a condição de que não houvesse reconhecimento da paternidade. Esclarece que o réu teve conhecimento de que era o pai da autora desde o início da gravidez, sendo que vários constrangimentos foram impingidos à genitora da postulante e a ela própria, inclusive o registro da criança em nome de terceiro.

Menciona que em 2002, com o crescimento da autora, sua genitora resolveu ajuizar ação de reconhecimento de paternidade, distribuída perante a Primeira Vara de Família desta Circunscrição Judiciária, sendo finalmente reconhecida a paternidade em 2005 após realização de exame de DNA.

Relata que após o reconhecimento da paternidade, o réu esteve com a autora por algumas vezes, persistindo o descaso do réu, causando dor em sua filha, demonstrando total desprezo pela sua existência, com condutas de absoluta ausência e abandono intencional.

Afirma a autora que com a descoberta de seu pai e o afastamento dele, passou a apresentar sérios problemas de humor, tristeza baixa auto-estima e depressão, além de enfrentar verdadeiro trauma em decorrência da mudança de paternidade.

Narra a autora que seu rendimento escolar caiu, vendo-se obrigada a ser acompanhada por Psicóloga e Psicopedagoga, o que foi comunicado ao réu que, entretanto, continuou a negar apoio e carinho a sua filha.

Sustenta a autora que o réu, além de rejeitá-la, ainda a impediu, de conhecer seus dois irmãos; diz que se submeteu a exames em São Paulo, onde foi diagnosticado Transtorno de Déficit de Atenção – TDA, o que a obriga a ser usuária de medicamentos que atuam no seu sistema nervoso central.

A autora passa a discorrer sobre os problemas enfrentados em razão do abandono sofrido, a exemplo de reprovação na escola, ao lado de fazer alusão aos prejuízos materiais igualmente suportados, inclusive com discriminação imposta pelo réu em relação aos irmãos da autora.

Elenca o direito que entende aplicável à hipótese dos autos.

Requer seja o requerido condenado ao pagamento da quantia de R$ 3.000.000,00 (três milhões, de reais). Pretende ver-se beneficiada com a gratuidade judiciária, Dá à causa o valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

A inicial veio instruída com os documentos de fls. 35/184.

O presente processo foi inicialmente distribuído à 20ª Vara Cível desta Circunscrição, tendo sido, porém, afastada a alegada conexão/prevenção, consoante a r. decisão de fls. 186.

A gratuidade judiciária foi deferida pela decisão de fls. 191, que determinou, ainda, a citação do réu, além da anotação da necessária intervenção do Ministério Público na capa dos autos.

Citado (fls. 333), o réu ofertou contestarão de fls. 204/237 requerendo, de plano, seja conferido segredo de justiça ao feito. No mérito, busca a improcedência do pedido, ao argumento de que não há direito em favor da autora, na espécie, porquanto eventual abandono afetivo é irreparável, consoante leitura do art. 186 do Código Civil. Defende a tese de que não há ato ilícito a gerar a responsabilidade civil. Alude à excepcionalidade dos casos reconhecidos pelo Poder Judiciário e repisa a tese da inexistência de ato ilícito na hipótese. Sustenta, ademais, não haver nexo de causalidade entre a conduta do réu e os alegados danos. Junta os documentos de fls. 198/199 e 239/329.

A autora manifestou-se em réplica a fls. 334/352 refutando os argumentos da contestação e reiterando os termos da inicial. Na oportunidade, pugnou pela produção de prova pericial e testemunhal, com depoimento pessoal do réu, ao lado de pretender a emissão/remessa de ofícios, consoante discriminado a fls. 351/352.

O requerido manifestou-se a fls. 353 requerendo a produção de prova testemunhal e o depoimento pessoal da autora.

Pela r. decisão de fls. 356/357, os requerimentos de produção de algumas das provas foram acolhidos e outros indeferidos, ensejando a interposição de embargos de declaração pelo réu (fls. 361/364) e esclarecimentos pela autora quanto ao pedido de prova pericial a fls. 365/367.

Os embargos foram apreciados pela decisão de fls. 369/370, que os acolheu parcialmente para deferir a produção da prova oral.

Remetidos os autos ao Ministério Público, o Parquet se pronunciou a fls. 374/376 oficiando pelo deferimento da prova pericial postulada pela autora.

O pedido de produção de prova pericial foi indeferido pela decisão de fls. 378/379, sobrevindo petição do réu a fls. 383, apreciada a fls. 387, bem assim pleito da autora a fls. 388/389, acolhido a fls. 391.

A autora apresentou agravo na modalidade retida em relação à decisão de fls. 378/379, consoante petição de fls. 395/399.

O réu, por seu turno, também interpôs agravo de instrumento insurgindo-se contra a decisão denegatória da produção da prova pericial (fls. 402/423), ao qual foi negado seguimento, conforme fls. 426/428.

A audiência de conciliação, instrução e julgamento ocorreu na forma dos termos de fls. 481 /491, tornando-se o depoimento pessoal das partes e ouvindo-se as testemunhas arroladas e presentes à solenidade.

A autora apresentou alegações finais a fls. 493/509 ratificando os termos da inicial; o réu trouxe suas alegações derradeiras à fls. 517/528, igualmente, corroborando suas teses defensivas.

Em judicioso parecer de fls. 531/539, o Ministério Público manifesta-se pela procedência do pedido autoral em acatamento a uma das vertentes doutrinárias que se inclinam pela adoção da tese de configuração de dano moral decorrente do abandono afetivo.

Os autos vieram-me conclusos para sentença. (…)”

DA SENTENÇA (FLS. 541/552)

A r. sentença proferida pela MM. Juíza Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:

“Diante das razões expendidas, julgo PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar à autora a quantia de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), devidamente atualizada a partir desta data (Enunciado n. 362 da Súmula do STJ) e acrescida de juros de 1% (um por cento) ao mês, da data do evento danoso, fixada em 24/06/2005 (fls. 45/46) (Enunciado n. 54 da Súmula do STJ). Resolvo o mérito com amparo no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Ante a sucumbência, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, tudo em conformidade com o art. 20, § 3o, do Código de Processo Civil. (…)

RAZÕES DO APELO DO RÉU (FLS. 557/613)

O réu, A. F. D., apela, alegando, em síntese: 1) cerceamento de defesa, diante do indeferimento da prova pericial requerida pela parte autora, e inversão da marcha processual; 2) o abandono afetivo não gera dano moral, diante da ausência de ato ilícito, pois o ordenamento jurídico não impõe ao genitor a obrigação de dar amor, carinho e afeto, sentimentos que somente se desenvolvem de forma natural e espontânea, com o convívio familiar, e entendimento em sentido contrário afronta o art. 5º, II da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei; 3) não houve abandono, pois, assim que foi confirmada a paternidade, o réu firmou acordo judicial com a genitora, para o pagamento de pensão alimentícia e passou, a partir de então, a manter um relacionamento à distância com a filha, conforme confirmado no depoimento pessoal da autora; 4) evidentemente, em se tratando de filha havida fora do relacionamento conjugal, o que naturalmente implica uma série de dificuldades a um convívio mais aproximado, não é razoável exigir-se que o réu/apelante tivesse com ela o mesmo relacionamento que manteve com os filhos advindos do matrimônio, entretanto, dentro das reais possibilidades, o réu/apelante jamais se recusou a dispensar-lhe atenção e jamais se furtou às suas obrigações como pai, prestando-lhe ajuda financeira além do que restara acordado judicialmente; 5) também não se verifica o nexo de causalidade entre a conduta do réu e os danos psíquicos que a autora alega ter sofrido desde criança; 6) caso seja mantida a sentença, deve ser minorado o valor da indenização, fixada em R$ 700.000,00 (setecentos mil reais); 7) os juros de mora devem incidir a partir da prolação da sentença, ou, no mínimo, a partir da citação, já que o dano não decorre de um evento único, mas sim de atos e omissões que se perpetuam no tempo.

Contrarrazões da autora às fls. 671/721.

RAZÕES DO APELO DA AUTORA (FLS. 631/656)

A autora, R. A. F. D., apela, pugnando pela majoração do valor da indenização por danos morais, fixada na sentença em R$ 700.000,00, pelos seguintes fundamentos: 1) foram comprovados nos autos o abandono, humilhação, desprezo e rejeição praticados pelo réu em relação à autora, que sempre foi tratada como “filha de 2ª classe”; 2) o autor sempre se negou a assumir a paternidade, cujo reconhecimento foi feito pela via judicial, não pagava regularmente os alimentos devidos, descumpriu a decisão judicial que determinou a inclusão da autora como sua dependente no plano de saúde, deixou de dar suporte à autora em situações de grave enfermidade da mãe, e transferiu patrimônio milionário aos outros filhos, em detrimento da autora; 3) a ausência do genitor causou graves distúrbios de comportamento, depressão, baixa autoestima, problemas escolares e de relacionamento; 4) os juros moratórios devem incidir a partir de 1994, quando o réu tomou ciência da gravidez da mãe da autora, ou, no mínimo, a partir do ajuizamento da ação de reconhecimento de paternidade (em 2002).

Contrarrazões do réu às fls. 723/732.

Às fls. 741/744, a doutra Procuradoria de Justiça Cível entendeu não ser caso de intervenção do Ministério Público.

É o relato sucinto.

Decido.

PRELIMINAR

DA AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA

Alega o réu, A. F. D., cerceamento de defesa, diante do indeferimento da prova pericial requerida pela parte autora, e inversão da marcha processual, pois somente após o despacho de especificação de provas é que a MM. Juíza a quo proferiu decisão saneando o processo, entendendo que a prova documental juntada pela autora era apta a comprovar o dano psicológico alegado e a sua origem, oportunidade na qual não era mais possível o requerimento da prova pericial pelo réu.

Sem razão o réu/apelante.

Tais alegações já foram afastadas por esta C. Segunda Turma Cível no julgamento do agravo de instrumento nº 2012.00.2.023343-7, objeto de Recurso Especial retido (em apenso) (CPC 542, § 3º).

Além disso, a prova da origem das patologias psiquiátricas que acometem a autora, cuja existência está comprovada nos autos (fls. 38/44), não é indispensável à verificação do descumprimento do dever de cuidado paterno, capaz de configurar a presença dos danos morais no Direito de Família.

Rejeito a preliminar de cerceamento de defesa, acompanhando, nesse ponto, o E. Relator.

MÉRITO

DO DANO MORAL AFETIVO DECORRENTE DO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDADO

Alega o réu, A. F. D., que o abandono afetivo não gera dano moral, diante da ausência de ato ilícito consubstanciado pelo descumprimento de um dever jurídico preexistente, pois o ordenamento jurídico não impõe ao genitor a obrigação de dar amor, carinho e afeto, sentimentos que somente se desenvolvem de forma natural e espontânea, com o convívio familiar, e entendimento em sentido contrário afronta o art. 5º, II da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.

Sem razão o réu/apelante.

A jurisprudência pátria reconhece, em casos excepcionais, a existência do dano moral em razão do ilícito decorrente do descumprimento do dever de cuidado, nos termos do seguinte julgado E. STJ, verbis:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. (…)

7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)”

Cabível, portanto, o pleito de danos morais fundamentados na ausência de cumprimento, pelo réu, do dever de cuidado para com a sua filha.

Nego provimento, nesse aspecto, ao apelo do réu, acompanhando o E. Relator.

DA CONSTATAÇÃO DOS DANOS MORAIS NO CASO CONCRETO

Alega o réu, A. F. D., em síntese, que: 1) a concepção da autora foi fruto de esporádico e fortuito encontro havido entre o réu/apelante e sua genitora, os quais, apesar do episódio isolado, mantinham à época convivência de cunho exclusivamente profissional, sem qualquer caracterização de relacionamento amoroso; 2) à época da concepção da autora, o réu era – e ainda é – casado com a mesma esposa, com a qual convive há mais de 20 (vinte) anos e tem dois filhos, e até o momento em que foi citado na ação de reconhecimento de paternidade, jamais teve conhecimento, sequer da possibilidade, da sua condição de genitor da autora; 3) não houve abandono, pois, assim que foi confirmada a paternidade, o réu firmou acordo judicial com a genitora, para o pagamento de pensão alimentícia e passou, a partir de então, a manter um relacionamento à distância com a filha; 4) evidentemente, em se tratando de filha havida fora do relacionamento conjugal, o que naturalmente implica uma série de dificuldades a um convívio mais aproximado, não é razoável exigir-se que o réu/apelante tivesse com ela o mesmo relacionamento que manteve com os filhos advindos do matrimônio, entretanto, dentro das reais possibilidades, o réu/apelante jamais se recusou a dispensar-lhe atenção e jamais se furtou às suas obrigações como pai, prestando-lhe ajuda financeira além do que restara acordado judicialmente; 5) também não se verifica o nexo de causalidade entre a conduta do réu e os danos psíquicos que a autora alega ter sofrido desde criança.

Sem razão o réu/apelante.

É certo que, diante da enorme carga emotiva e das inúmeras peculiaridades que envolvem a convivência familiar, o dano moral decorrente do descumprimento do dever de cuidado dos pais para com a prole tem caráter absolutamente excepcional, não sendo possível equiparar a responsabilidade civil no Direito de Família à responsabilidade civil extracontratual em geral, consoante expõe o Exmo. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp 1159242/SP, in verbis:

“Inicialmente, ressalto que, a meu sentir, a responsabilidade civil por dano moral no Direito de Família deve ser analisada com cautela.

As relações travadas no seio da família, por afetarem a esfera íntima das pessoas, são especialmente carregadas de sentimentos.

De um lado, representam o aspecto mais espontâneo do humano e, de outro, tendem a causar, em aparente contradição, mais fortúnios e infortúnios do que em qualquer outra espécie de relação.

Assim, pela própria natureza delicada dos relacionamentos familiares, a responsabilidade civil no Direito de Família não pode ser equiparada à responsabilidade civil extracontratual em geral, sob pena de se exigir, no trato familiar diário, uma cautela incompatível com as relações que se firmam no âmbito da família, além de se conduzir a uma indesejável patrimonialização das relações pessoais, justamente em seu viés mais íntimo.

Não se pode olvidar que as frustrações experimentadas no seio familiar, além de contribuírem para o crescimento e para o desenvolvimento do indivíduo, são, em parte, próprias da vida e, por isso mesmo, inevitáveis.

Sendo assim, entendo que o reconhecimento de dano moral em matéria de família é situação excepcionalíssima, devendo-se admitir apenas em casos extremos de efetivo excesso nas relações familiares. (…)”

No julgamento do REsp 1159242/SP, acórdão paradigma na análise da responsabilidade civil por dano moral afetivo, foram firmadas premissas básicas para a apreciação das lides que versam sobre a matéria, descritas no voto de relatoria proferido pela Exma. Ministra Nancy Andrigui, do qual julgo pertinente a transcrição do seguinte trecho, in verbis:

“2. Dos elementos necessários à caracterização do dano moral

É das mais comezinhas lições de Direito, a tríade que configura a responsabilidade civil subjetiva: o dano, a culpa do autor e o nexo causal. Porém, a simples lição ganha contornos extremamente complexos quando se focam as relações familiares, porquanto nessas se entremeiam fatores de alto grau de subjetividade, como afetividade, amor, mágoa, entre outros, os quais dificultam, sobremaneira, definir, ou perfeitamente identificar e/ou constatar, os elementos configuradores do dano moral.

(…)

2.1. Da ilicitude e da culpa

(…)

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.

(…)

Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar.

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.

(…)

Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.

A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica, por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal.

Fixado esse ponto, impõe-se, ainda, no universo da caracterização da ilicitude, fazer-se pequena digressão sobre a culpa e sua incidência à espécie.

(…)

Eclipsa, então, a existência de ilicitude, situações que, não obstante possam gerar algum tipo de distanciamento entre pais e filhos, como o divórcio, separações temporárias, alteração de domicílio, constituição de novas famílias, reconhecimento de orientação sexual, entre outras, são decorrências das mutações sociais e orbitam o universo dos direitos potestativos dos pais – sendo certo que quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém (qui iure suo utitur neminem laedit).

(…)

Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não pode o julgador se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

(…)

2.2 Do dano e do nexo causal

Estabelecida a assertiva de que a negligência em relação ao objetivo dever de cuidado é ilícito civil, importa, para a caracterização do dever de indenizar, estabelecer a existência de dano e do necessário nexo causal.

Forma simples de verificar a ocorrência desses elementos é a existência de laudo formulado por especialista, que aponte a existência de uma determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais.

Porém, não se deve limitar a possibilidade de compensação por dano moral a situações símeis aos exemplos, porquanto inúmeras outras circunstâncias dão azo à compensação, como bem exemplificam os fatos declinados pelo Tribunal de origem.”

No caso, com base nas premissas acima elencadas, e após uma análise minuciosa do caso concreto, vislumbro a presença de excepcional negligência, por parte do réu, no cumprimento do dever de cuidado para com sua filha, bem como do dano e do respectivo nexo causal, elementos aptos a ensejar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Nesse ponto, a sentença está bem fundamentada e rebate por si só, pontualmente, os argumentos do apelo. Com o objetivo de atender aos princípios constitucionais da celeridade e efetividade da justiça, acolho como meus seus judiciosos fundamentos, verbis:

“Meritoriamente, como consignado, trata-se de ação de compensação por danos morais sofridos pela autora em decorrência do abandono afetivo praticado por seu pai, ora réu.

Conforme delineado em decisões anteriores neste processo, duas questões são objeto de análise pontual para definir-se o litígio: a) se houve abandono afetivo praticado pelo requerido em detrimento da autora; e b) em hipótese afirmativa, se o abandono afetivo enseja dano moral daquele que o experimentou.

Inicio pela apreciação da primeira questão. A matéria deve ser analisada à luz das disciplinas da filiação e dos alimentos, consoante estabelecidas no Código Civil, na forma dos arts. 1.596, 1.694, 1.695 e 1.696, merecendo registro, de plano, que esse sistema privilegia o dever de cuidado dos pais em relação aos filhos, o que, a toda evidência, não se limita à participação econômico-financeira de sustento do filho pelos pais. Nessa órbita, a violação desse dever implica ato ilícito, elemento basilar da responsabilidade civil, na forma da previsão normativa do art. 186 do mesmo diploma legal.

Observo que a autora nasceu em 1995 (fls. 37), contudo, até 2005, quando do reconhecimento judicial da paternidade do réu, a meu aviso, não se tinha como exigir deste último o mencionado dever de cuidado. Embora a autora busque demonstrar que antes do reconhecimento judicial já se haviam estabelecidos os laços de parentesco entre as partes, uma vez que seu pai sempre soube desses laços, as evidências no processo apontam em sentido contrário.

O requerido, em depoimento pessoal neste Juízo foi claro ao afirmar que, de fato, tomou conhecimento da gravidez da mãe da autora em 1994, contudo, acentuou que ‘não acreditava que pudesse ser o pai da criança, eis que teve apenas um caso fortuito com a Sra. Mônica’ (fls. 485). Seguiu narrando que só voltou a ver a mãe da requerente quando do processo de investigação de paternidade, 10 (dez) anos depois, oportunidade em que conheceu a autora.

Embora a requerente tenha declarado que soube ser o réu seu pai durante seu aniversário de 4 (quatro) anos de idade (fls. 483), sua narrativa confirma os fatos delineados pelo demandado no sentido de que só vieram a conhecer-se quando do processo que tramitou perante a ilustrada Primeira Vara de Família desta Circunscrição Judiciária (fls. 47/53).

É fato que a genitora da postulante afirmou que o réu sempre soube da gravidez – fato por ele próprio confirmado – entretanto, não há nos autos nenhuma prova de que o requerido tivesse ciência inequívoca de que era o pai biológico da autora, não impressionando a tese de que houve oferta de valores para realização de aborto e coação para colocação de nome de terceiro como pai no registro de nascimento da autora, eis que tais alegações – que são da mãe da autora e, não, desta última – consoante se depreende das declarações de fls. 488/489, estão desprovidas de qualquer respaldo probatório.

Nesse contexto, tenho que a avaliação em torno de eventual abandono afetivo do réu em relação à autora, sua filha, deve dar-se a partir do reconhecimento judicial da paternidade, ou seja, desde quando a postulante tinha a idade de 10 (dez) anos. A propósito, nesse mesmo sentido, a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

CIVIL E PROCESSUAL AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. ABANDONO AFETIVO. DANOS MORAIS. REJEITADOS.

1. A não declinação da paternidade em documentos oficiais, bem como a falta de afeto, de relação paternoafetiva, por si sós, não conduzem, ao dever de indenizar, porquanto ausente o primeiro pressuposto para a responsabilidade civil, a saber, a ocorrência de ato ilícito;

2. Enquanto não reconhecida a filiação e, portanto, o poder familiar e os deveres jurídicos a ele inerentes, não há se falar em abandono de qualquer espécie, pois impossível se exigir indenização de quem sequer tinha certeza de que era genitor;

3. Recurso conhecido a não provido. (Acórdão n.441Í986, 20070110318449APC, Relator: NlLSONI DE FREITAS, Revisor: VERA ANDRIGHI, 6a Turma Cível, Publicado no DJE: 02/09/2010. Pag.: 129) (Grifei).

Como vem de ser delineado, o encontro entre as partes operou-se com o reconhecimento judicial da paternidade. A partir daí, o requerido atraiu para si, independentemente do afeto que possa ter passado – ou não — a nutrir pela autora, os deveres inerentes ao poder familiar. Nesse espectro, deve ser ressaltado que a par do pagamento de verbas alimentares, na forma dos art. 1.694 e 1.695 do Código Civil, a atenção aos filhos, o acompanhamento na educação, igualmente são obrigações inerentes ao poder familiar. Repito: independentemente do afeto, do amor que possa ter nascido e evoluído entre os pólos da relação parental. Tanto assim é que a violação desse dever tem implicação grave, com caráter de penalidade ex vi legis, conforme se depreende do art. 1638, inciso II, do Código Civil, que imputa ao pai ou à mãe a perda do poder familiar na hipótese de “deixar o filho em abandono”.

Tenho que o abandono afetivo, – na modalidade de dever de cuidado, está amplamente demonstrado nos autos. Ocorre que os documentos de fls. 70/81 (em abono aos documentos de fls. 45/48) e 53 demonstram que a autora, após o reconhecimento judicial de sua filiação em relação ao réu; precisou, no mínimo por duas vezes, instar o requerido ao pagamento da verba alimentar mediante execução dos alimentos, o que demonstra a resistência do réu em promover o pagamento dos valores devidos à sua filha a título de viabilização de sua subsistência digna e consentânea com suas necessidades, como preceituado pelo art. 1.694 do Código Civil.

Não bastasse, e embora o réu haja afirmado perante este Juízo que nunca se furtou de pagar excursões, tratamentos dentário ou hospitalar em benefício de sua filha, não há provas documentais nesse sentido nos autos. Em contrapartida, a autora afirmou em seu depoimento que pretendia viajar à Disney World, como ocorre com jovens adolescentes de sua faixa etária e social, o que lhe foi negado pelo pai. Parcos relatos são feitos em relação à doação de bens materiais pelo réu à sua filha, a exemplo de uma máquina fotográfica e um computador (fls. 483), o que comparece como irrisório, a considerar-se a condição ostentada pelo réu, de empresário e Senador da República, o que também pode ser confrontado e ponderado em relação às necessidades da autora, jovem adolescente da classe média.

O mais grave, contudo, é que também ficou demonstrado que o réu foi absolutamente negligente em relação à educação de sua filha, jamais buscando saber sobre seu desempenho escolar ou participando da escolha da instituição de ensino em que a autora estuda, como se extrai das respostas da requerente às perguntas formuladas pela ilustre Promotora de Justiça (fls. 484). Ainda segundo declarações da autora, seu pai não comparecia às internações que sofreu, às apresentações de balé, tampouco costuma frequentar locais públicos acompanhada de seu genitor, à exceção do restaurante do hotel onde mora seu pai quando está em Brasília (fls, 483), embora haja o réu afirmado em contrário (fls. 485), sem qualquer respaldo probatório a corroborar essas afirmações.

A ausência do réu na vida da autora é corroborada pelas declarações da informante Carmem Maria Claudino Fernandes de Oliveira (fls. 490). De observar-se que o fato de ser o réu um homem público, no exercício de mandato parlamentar, com afazeres de empresário e pai de família, não o isenta das obrigações de cuidar da autora, dever legal, jurídico, ético e moral preceituado normativamente no art. 22 da Lei ri. 8.069/90, o conhecido Estatuto da Criança e do Adolescente.

Reconhecido o abandono afetivo, passo à apreciação da questão atinente à existência de dano moral em decorrência do abandono afetivo.

Conforme antes avaliado, o dever de cuidado tem índole jurídica, razão pela qual sua violação implica ato desconforme ao direito, conduta ilícita, primeiro elemento caracterizador da responsabilidade civil.

A falta de atenção e cuidado, que implica ausência de proteção, tem presumidamente o condão de ensejar danos em detrimento da esfera jurídico-moral do cidadão, o que se traduz pela configuração do dano moral subjetivo. Trata-se de dano que atinge a psique humana, provocando desconforto psicológico, sentimentos de ansiedade, frustração, profunda tristeza, baixa auto-estima, dentre outros. Cuida-se do dano que extrapola a modalidade objetiva, esta relacionada aos atributos da personalidade do indiivíduo, hoje com previsão legislativa pelos arts. 11/21 do Código Civil.

No caso vertente, verifico que a autora tem baixo rendimento escolar (fls. -54/57), sendo portadora de Transtorno de Déficit de Atenção – TDA. (fís. 38/39, 41/44 e 56), com personalidade depressiva, o que a obriga a fazer uso de forte antidepressivo, como é o caso do lexapro (fls. 40).

Mais do que isso, ouvida em Juízo por esta Magistrada, ficou evidenciada a situação de tristeza da autora diante da sua situação de criança que tinha o nome de terceira pessoa em seu registro de nascimento, embora com ele não convivesse; de criança e já adolescente que conviveu durante anos a fio com o marido de sua mãe, a quem nega haver chamado de pai, mas que certamente exercera esse papel em sua vida, para depois, aos 10 (dez) anos de idade, passar a enfrentar processo judicial para ver reconhecido que aquele que figurava em seu registro como pai assim não era e, ao contrário, aquele com quem jamais tivera qualquer relação era de fato e de direito, seu pai.

Não passou despercebido, ademais, que a mãe da autora tem fortíssima influência sobre a jovem, ao lado de haver contribuído para esse estado de coisa. Além de haver anuído com a possibilidade de registrar sua filha em nome de, outrem, submetê-la à educação de outro ainda e, por fim, não dispensá-la de participar de processos judiciais contra seu pai, a toda evidência mistura sua própria história de frustrações com a trajetória de sua filha. Isso também é faltar com o cuidado e a proteção devida. E tudo isso é perceptível a olho nu no contato pessoal com Raissa, como se deu na audiência de conciliação, instrução e julgamento.

Evidenciado o dano sofrido pela autora, o nexo de causalidade é configurado pela potencialidade da ausência do pai em gerar na autora todos os males por ela enfrentados, embora ainda tão jovem. Não se pode dizer que a autora é portadora das patologias mencionadas e tem baixo rendimento escolar apenas e tão somente por força da conduta negligente de seu pai, mas esta é, também, causadora desses males.

O elemento subjetivo pertinente à conduta do réu está centrado na negligência com que se houve, ao longo dos anos, em relação a seus deveres e obrigações de pai para com sua filha.

(…)

Presentes os elementos da responsabilidade, nos termos do art. 186 do Código Civil, impõe-se o dever de indenizar a título compensatório.”

No caso, além dos fatos e fundamentos descritos na sentença, acrescento outros, que julgo capazes de configurar os danos morais alegados.

Consta dos autos, que quando a autora tinha apenas 12 (doze) anos de idade, a sua genitora esteve entre a vida e a morte, em decorrência de aneurisma cerebral, tendo sido submetida a diversas cirurgias e ficado internada em UTI em algumas oportunidades desde então, quadro que deixou sequelas que persistem até os dias atuais, segundo laudos médicos de fls. 58/68.

Em seu depoimento pessoal, perguntado se teve ciência do problema de saúde pelo qual passava a genitora da autora, o réu respondeu que “ficou sabendo que ela esteve internada por força de dois AVC sofridos, oportunidade em que ligava para a autora sempre para saber de sua mãe” (fl. 486). Ou seja, mesmo diante da situação extrema pela qual passava a sua filha, então com apenas 12 (doze) anos de idade e correndo sério risco de perder a mãe, o réu sequer chegou a visitá-la.

Aliás, pelo que consta dos autos, a autora jamais recebeu uma visita do pai, não havendo nenhuma correspondência, mensagem, fotografia, nada que demonstre qualquer tipo de convivência entre ambos, conforme consta do seu depoimento pessoal, in verbis:

“que nunca esteve em restaurante com seu pai que não fosse no do próprio hotel em que ele mora; (…); que o requerido nunca esteve na residência da depoente em seu aniversário ou no natal levando presentes; que já teve vontade de procurar seus irmãos, mas nunca o fez por respeito a seu pai; (…); que o requerido explicava à depoente que não podia ir à situações que ela demandou sua presença; que não sabe informar se seu pai também é ausente a eventos envolvendo seus filhos havidos no casamento, mas que já viu diversas fotos dele com seus filhos em eventos sociais; que a depoente via essas fotos na internet; (…); que ganhou computador, máquina fotográfica de seu pai a pedido da depoente; (…)” (fls. 483/484

Por outro lado, é incontroverso que o réu transmitiu a seus outros dois filhos cotas de uma empresa da qual é sócio, no valor R$ 3.136.930,00 (três milhões, cento e trinta e seis mil, novecentos e trinta reais), para cada filho (fl. 87), o que foi confirmado no depoimento pessoal do réu, nos seguintes termos:

“que há uma tradição em sua família de que quando os filhos fazem 21 anos recebem uma doação de determinada quantia; que o depoente assim o fez em relação a seus filhos havidos em seu casamento de forma a propiciar-lhes início de vida e o cuidado com o patrimônio familiar, que é também da autora; que se a justiça determinar que se torne sem efeito a doação feita, assim se procederá; que o procedimento teve caráter simbólico, sendo que seus filhos não querem qualquer participação naquilo que é de direito da autora;” (fl. 486)

É certo que o réu tem o direito de fazer doações que não ultrapassem a sua parte disponível, todavia, sem adentrar no mérito da legalidade ou não das doações feitas aos outros filhos, tema que inclusive é objeto de outro processo, entendo que a menção a esse fato é importante para a análise da questão, pois o próprio réu afirma que a finalidade de tais doações é propiciar um início de vida confortável para os filhos, preocupação esta que, no entanto, não se vislumbra com relação à autora, também sua filha.

Evidencia-se, no caso, a enorme diferença de tratamento dado à autora, tendo o próprio réu afirmado nas razões do apelo que, por se tratar de filha havida fora do relacionamento conjugal, não é razoável exigir-se que tivesse com ela o mesmo relacionamento que mantém com os filhos advindos do matrimônio.

Em que pese a relevância do argumento, sendo inegável que as circunstâncias que envolvem ambas as partes implicam na existência de uma série de dificuldades a um convívio mais aproximado, o fato é que a autora é filha do réu, e, ainda que não seja possível exigir-se que o réu tenha com ela o mesmo relacionamento que tem com os filhos havidos no matrimônio, a autora tem direito a um núcleo mínimo de cuidados paternos, não apenas no aspecto financeiro mas também emocional, os quais foram realmente negligenciados.

As circunstâncias descritas nos autos assemelham-se, em muito, aos fatos verificados no REsp 1159242/SP (acórdão paradigma no reconhecimento dos danos morais afetivos), descritos no voto do Exmo. Ministro Sidnei Beneti, nos seguintes termos:

“Os atos pelos quais se exteriorizou o abandono, que devem ser considerados neste processo, não são genéricos, mas, sim, concretos, apontados na petição inicial como fatos integrantes da causa de pedir (e-STJ fls. 6 e seguintes), ou seja: 1º) Aquisição de propriedades, por simulação, em nome dos outros filhos; 2º) Desatendimento a reclamações da autora quanto a essa forma de aquisição disfarçada; 3º) Falta de carinho, afeto, amor e atenção, apoio moral, nunca havendo sentado no colo do pai, nunca recebendo conselhos, experiência e ajuda na escola, cultural e financeira; 4º) Falta de auxílio em despesas médicas, escolares, abrigo, vestuário e outras; 5º) Pagamento de pensão somente por via judicial; 6º) Somente haver sido reconhecida judicialmente como filha.”

Ante o exposto, correta a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais afetivos, diante da constatação do ilícito civil configurado pelo descumprimento do dever de cuidado para com a sua filha, presentes, ainda, o dano e do nexo causal (CF 277, caput e CC 186).

Nego provimento, nesse aspecto, ao apelo do réu.

DA REDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO

Alega o réu, A. F. D., que, caso seja mantida a sentença, deve ser minorado o valor da indenização, fixada em R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), o qual mostra-se manifestamente exorbitante.

Aduz que a mensuração da indenização deve levar em consideração o dano causado, devendo ser fixada em valor suficiente à reparação do prejuízo, limitando-se, no caso, ao custeio do correspondente tratamento psiquiátrico da autora, sob pena de enriquecimento sem causa.

Com razão, em parte, o réu/apelante.

Diferentemente do que afirma o réu/apelante, a indenização não está limitada ao custeio do tratamento psiquiátrico da autora, pois a fixação do valor dos danos morais obedece a parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade, considerando-se as circunstâncias do caso concreto, a natureza e extensão do dano, a capacidade econômica do ofensor, bem como o caráter compensatório e inibidor da condenação.

Sobre o tema, a jurisprudência deste TJDFT:

“(…) 4 – Na fixação da indenização por danos morais, deve considerar o Juiz a proporcionalidade e razoabilidade da condenação em face do dano sofrido pela parte ofendida e o seu caráter compensatório e inibidor, mediante o exame das circunstâncias do caso concreto.

5 – (…) 7 – Recurso da ré não provido. Recurso da autora provido parcialmente. (Acórdão n.740525, 20120110471350APC, Relator: CRUZ MACEDO, Revisor: FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, Data de Julgamento: 20/11/2013, Publicado no DJE: 06/12/2013. Pág.: 297)”

Dessa forma, diante das peculiaridades do caso concreto, o valor da indenização por danos morais deve ser reduzido para R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais).

Dou parcial provimento, nesse aspecto, ao apelo do réu, para reduzir o valor da indenização para 400.000 reais.

DO TERMO INICIAL DOS OS JUROS DE MORA NA DATA DO RECONHECIMENTO DA PARTERNIDADE

Alega o réu, A. F. D., que a sentença deve ser reformada na parte em que estabeleceu, como termo inicial dos juros de mora, a data do evento danoso, considerada esta como sendo a data do reconhecimento da paternidade pelo réu, sendo ilógico pensar que nesta data o réu passou, imediatamente, a abandonar a filha.

Aduz que devem incidir juros de mora a partir da prolação da sentença, ou, no mínimo, a partir da citação, pois o dano em tela não decorre de um evento único, mas sim de atos e omissões que se perpetuam no tempo.

Sem razão, nesse ponto, o réu/apelante.

Os juros de mora, em sede de responsabilidade extracontratual, incidem a partir do evento danoso, consoante entendimento pacífico do STJ, in verbis:

“(…) 4. Em se tratando de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios incidem desde o evento danoso, inclusive sobre o valor dos danos morais. Enunciado 54 da Súmula do STJ.

5. A correção monetária deve incidir a partir da fixação de valor definitivo para a indenização do dano moral. Enunciado 362 da Súmula do STJ.

6. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 1139612/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 23/03/2011)”

A questão, no caso dos autos, é saber qual é a data do evento danoso, em termos de responsabilidade extracontratual decorrente do descumprimento do dever de cuidado paterno, evento que se perpetua no tempo.

Correta, a meu ver, a r. sentença apelada, que fixou como data do evento danoso, para fins de incidência dos juros moratórios, o dia do reconhecimento da paternidade pelo réu, em 24/06/2005 (fl. 552), pois nesta data foi fixado o termo a quo da obrigação de cuidado descumprida pelo autor

Nego provimento, nesse ponto, ao apelo do réu.

DO APELO DA AUTORA

DA IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO

A autora, R. A. F. D., apela, pugnando pela majoração do valor da indenização por danos morais, para o patamar pleiteado na inicial, de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), em virtude da gravidade dos danos sofridos.

Sem razão a autora/apelante.

Pelos mesmos fundamentos pelos quais dei parcial provimento ao apelo do réu para reduzir o valor da indenização, aos quais me reporto, considero razoável o montante de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), por guardar proporção com a gravidade do dano e a condição econômica do réu, além de levar em consideração a elevada parcela de negligência, também da mãe, com relação a seus deveres de cuidado para com a autora.

Nego provimento, nesse ponto, ao apelo da autora.

DO TERMO INICIAL DOS OS JUROS DE MORA NA DATA DO RECONHECIMENTO DA PARTERNIDADE

Pugna a autora/apelante, pela incidência de juros moratórios a partir de 1994, quando o réu tomou ciência da gravidez da mãe da autora, ou, no mínimo, a partir do ajuizamento da ação de reconhecimento de paternidade (em 2002).

Sem razão a autora/apelante.

Reporto-me, nesse ponto, aos fundamentos pelos quais neguei provimento ao apelo do réu, mantendo, nesse ponto, a r. sentença apelada que fixou como data do evento danoso, para fins de incidência dos juros moratórios, a data do reconhecimento da paternidade.

Nego provimento, nesse ponto, ao apelo da autora.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo do réu, para reduzir o valor da indenização por danos morais, para R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) com correção monetária a partir da publicação do acórdão e juros nos termos da sentença.

Nego provimento ao apelo da autora.

Mantenho a sucumbência.

É como voto.

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal

Cabíveis e tempestivos, conheço dos recursos.

Em suma, insurgem-se os Apelantes contra a r. sentença que fixou em R$700.000,00 (setecentos mil reais) a indenização por dano moral, em virtude de abandono afetivo.

O Requerido pugna, preliminarmente, pela nulidade da sentença pela não produção de prova pericial e, no mérito, requer a reforma da r. sentença para que seja julgado improcedente o pedido ou reduzido o quantum indenizatório.

A Requerente, por sua vez, pleiteia a reforma do decisum para majoração do valor da indenização a fim de alcançar o quantum fixado na petição inicial.

Iniciado o julgamento dos apelos, o em. Relator rejeitou a preliminar, no que foi acompanhado pelo em. Revisor, abrindo-se a divergência em relação ao dever de indenizar do pai em virtude do abandono afetivo a filha, o que motivou o meu pedido de vista dos autos.

Eis a breve suma dos fatos.

PRELIMINAR

Em relação à preliminar de nulidade da sentença, acompanho os eminentes Pares, para rejeitá-la, por não caber nesta fase recursal o enfrentamento de questão processual já discutida em sede de agravo de instrumento.

MÉRITO

Quanto ao mérito, após debruçar-me sobre as questões fáticas e de direito delineadas nas peças que instruem os autos, tenho que não se afigura caracterizado o abandono afetivo alegado por R.A.F.D.

Com efeito, abandonar, por definição, é largar; deixar só; desamparar; renunciar; desistir; não se interessar; não cuidar; descuidar. E as peças colacionadas aos autos revelam que o Requerido, ao se confirmar a paternidade, procurou imediatamente dotar a Requerente de substrato básico, iniciando por dar-lhe o sobrenome em seus registros civis, convencionando valor de pensão alimentícia e de assistência médica-hospitalar.

A inadimplência no pagamento da pensão e outras questões financeiras e patrimoniais são temas que já foram discutidos ou ainda se encontram em discussão em autos próprios, além de não terem relação alguma com a questão da existência ou não de afetividade na relação entre pai e filha.

E sob esse aspecto, forçoso convir que a Requerente recebe do pai pouco afeto. Ou afeto em medida que não se mostra suficiente em sua expectativa de filha. Provavelmente por seu ritmo de trabalho como Senador da República – passa a semana em Brasília trabalhando e no fim de semana retorna ao Estado de origem, onde tem esposa e mais dois filhos. Provavelmente porque não gozou da convivência da filha desde tenra idade. Provavelmente porque essa seja uma característica pessoal, eis que o Requerido afirma que sequer comparecia aos eventos escolares dos filhos havidos no casamento, participando pouco da vida de cada um, até por achar que essa é uma obrigação da mulher, como ele próprio afirma!

Contudo, pouco afeto não se confunde com abandono. Tampouco vislumbro seja essa quantidade reduzida de afeto a causa exclusiva de todos os males enfrentados pela Requerente, tais como baixo desempenho escolar, déficit de atenção e quadro depressivo, até mesmo porque na prova colacionada à petição inicial não há sequer uma única menção a esse fato (laudos e relatórios escolares de fls. 38; 41/44 e 56).

Depreende-se dos autos que a história de vida de R.A.F.D. já se inicia de forma conturbada, com sua mãe registrando-a em nome de um primo de segundo grau, casando-se posteriormente com um companheiro “bruto” que não permitia que a Requerente o chamasse de pai, repreendendo-a todas as vezes em que isso ocorria, e vindo a ter conhecimento que seu pai verdadeiro era terceira pessoa (fl. 489). De outro giro, o forte abalo emocional sofrido com a doença de sua genitora, pelo medo da perda, revela-se fato capaz de gerar transtornos de ordem psíquica, como o desinteresse nos estudos, o quadro depressivo, somado ao histórico de vida e aos conflitos inerentes da adolescência.

Verdadeiramente, o sentimento, seja amor, afeto, carinho, não tem qualquer relação com dinheiro.

Por outro lado, a postulante, em momento algum, registra suas pretensões para o futuro; não diz, não comenta o que fará de sua vida.

A propósito, o que faz?

O que deseja de sua passagem pela terra?

Qual o seu norte, como sempre diz o eminente Desembargador Romão Cícero Oliveira?

Vai, diante dessa inércia, viver dos danos postulados contra o pai?

É preciso repensar seus instintos e propósitos na medida em que pode buscar consolo e afeto junto ao pai, Senador da República, conhecimentos de vida que nenhuma faculdade, por melhor orientação que ofereça, poderá lhe dar.

Aí estará amparada.

Receberá grandes conhecimentos, porquanto, o pai, sabidamente, extremamente inteligente, jamais negará essa orientação, amparando-a e colocando-a em lugar de destaque na política ou em outro lugar da vida pública, já que se trata de político sábio, ousado e corajoso, enfrentando velhas raposas que não cumprem o papel a que se propuseram no período de eleição.

Em resumo, a filha deve buscar o pai e colher os ensinamentos que o seu passado já registrou.

Vê-se que até aqui a jovem filha não disse para onde vai e qual o seu destino.

Certamente, empolgada por três milhões de reais que busca, sonha desfrutar de um patrimônio que não ajudou a construir, tendo como desafeto seu pai, que, com certeza, é detentor de inúmeros compromissos financeiros perante sua família e investimentos de campanha, e precisa da compreensão da família para desenvolver sua desgastante função parlamentar.

Postular vultosa quantia como danos morais é e será motivo relevante para nunca, jamais em tempo algum, ter o afeto buscado na via eleita.

Deve, salvo melhor juízo, abandonar esse sentimento de riqueza e alinhar-se ao pai, que será, induvidosamente, seu grande protetor e professor.

Certo religioso, com sabedoria, registrou que da vida nada se leva a não ser a certeza de que a ética, a moral e a ausência de ganância estarão acima de qualquer desejo material.

Finalmente, o pai, segundo os autos, em momento algum, fugiu à responsabilidade, reconhecendo a filha oficialmente; deu-lhe amparo financeiro, ofertou-lhe plano de saúde e, enfim, esteve presente nos momentos que a vida profissional lhe proporcionou.

Agora, nesse momento de angústia, é certo que o sentimento cristão deve prevalecer e reinar nessa família brasileira.

É preciso relembrar que Jesus pregou insistentemente a união da humanidade; curou doentes; alimentou famintos; distribuiu o amor, o afeto e jamais falou em contraprestação monetária, convencido de que o sentimento humanitário estava além de ganhos financeiros.

Em resumo, o pedido não pode prevalecer, ante a certeza de que afeto é sentimento que não se harmoniza com danos morais ou materiais.

Notadamente, o tema ora em discussão não encontra amparo na jurisprudência pátria, o que imputo à dificuldade de se definir ou de se conferir um parâmetro à omissão paterna capaz de configurar o abandono. A meu ver, entretanto, o cuidado dispensado pelo Requerido à Requerente, ainda que pouco, não se revela suficiente para acolhimento da tese autoral.

Frente às razões supra, pedindo as mais respeitosas vênias ao em. Revisor, acompanho o em. Relator para dar provimento ao recurso de A.F.D. para julgar improcedente o pedido inicial. Por conseguinte, julgo prejudicado o recurso de R.A.F.D.

É como voto.

DECISÃO

Dado provimento ao apelo do réu e julgado prejudicado o apelo da autora, maioria

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