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A família na travessia do milênio

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 14/10/1999

Sexo, casamento e reprodução sempre foram paradigmas estruturadores para a organização jurídica sobre a família. A evolução do conhecimento científico – somada ao fenômeno da globalização, ao declínio do patriarcalismo e à redivisão sexual do trabalho – fez uma grande transformação da família, especialmente a partir da segunda metade deste século. Como será a família do século que se anuncia, se aqueles elementos estão dissociados, já não lhe servem de esteio, ou seja, não é necessário mais sexo para a reprodução, e a sexualidade saudável já não está mais atrelada somente ao casamento?

As transformações da família certamente estão associadas a um novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi formada com a Psicanálise na virada do século passado. A partir da consideração de que a sexualidade é da ordem do desejo, muito mais que da genitalidade, como sempre foi tratada pelo Direito, o pensamento contemporâneo ampliou seu entendimento e compreensão sobre as formas de manifestação do afeto, do carinho e conseqüentemente sobre as várias formas e possibilidades de se constituir uma família. Tudo isto interessa ao Direito pois aí está um sentido de liberdade e libertação dos sujeitos, um dos pilares que sustenta a ciência jurídica.

Quando foi instalada a lei do Divórcio no Brasil, em 1.977, chegou-se a proclamar o fim da família, com a suposição de que várias pessoas embarcariam nunca “onda divorcista”. Em 1.988, a Constituição da República (artigo 226) legitimou outras formas de família, além daquela constituída pelo casamento, e até hoje encontramos resistência à compreensão do texto constitucional. Fala-se muito na interferência da pornografia, da televisão, da má qualidade da música, falta ou excesso de religiosidade, para a formação das famílias. Ela sobreviverá?

Afora a nostalgia de que a família onde cada um de nós foi criado é a melhor, sua travessia para o novo milênio se faz em um barco que está transportando valores totalmente diferentes, como é natural dos fenômenos de virada de século. A travessia nos deixa atônitos, mas traz consigo uma valor que é uma conquista, ou seja, a família não é mais essencialmente um núcleo econômico e de reprodução onde sempre esteve instalada a suposta superioridade masculina. Nesta travessia, carregamos a “boa nova” de que ela passou a ser muito mais o espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor e, acima de tudo, embora sempre tenha sido assim e será, o núcleo formador da pessoa e fundante do sujeito.

Mas todas essas transformações não estão fáceis de serem absorvidas, pois a travessia é sempre acompanhada de turbulência, e tendemos a ver “crise” da família como seu fim. Para os operadores do Direito, as dificuldades parecem ainda maiores do que realmente são. Ordenar juridicamente as relações de afeto e as conseqüências patrimoniais daí decorrentes é nosso desafio para assegurar e viabilizar a organização social. É neste imperativo categórico que a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais (OAB-MG) e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), organizaram o II Congresso Brasileiro de Direito de Família, em Belo Horizonte, de 27 a 30/10/99. Este encontro é um convite ao pensar as novas representações sociais da família e compreendê-la no ordenamento jurídico para a travessia do milênio.

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