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As consequências da ausência do pai

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 1º/1/1999

A virada do século XX caracteriza-se pela quebra de uma estrutura milenar, ao romper-se a ideologia patriarcal. Na estrutura patriarcal, os lugares de pai, mãe e filhos são bastante claros e demarcados. Com o declínio dessa ideologia, os lugares estruturantes e fundantes dos sujeitos, enquanto função, ficaram alterados, gerando sérias consequências na formação das famílias atuais.

Uma das mais relevantes conseqüências da queda desse modelo patriarcal é o redimensionamento do masculino e da função paterna no novo contexto do pós-patriarcalismo. Em meio a esse processo histórico, o masculino parece estar sofrendo um declínio em sua vinculação com a paternidade.

Assim, podemos falar hoje de uma crise da paternidade, diante das novas representações sociais da família, frente ao rompimento dos modelos e padrões tradicionais.

Sua função básica, estruturadora e estruturante do filho como sujeito, está passando por um momento histórico de transição de difícil compreensão, onde os varões não assumem ou reconhecem para si o direito/dever de participar da formação, convivência afetiva e desenvolvimento de seus filhos. Por exemplo: o pai solteiro, ou separado, que só é pai em fins de semana, ou nem isso; o pai, mesmo casado, que não tem tempo para seus filhos; o pai que não paga, ou boicota pensão alimentícia e nem se preocupa ou deseja ocupar-se com isto; o pai que não reconhece seu filho e não lhe dá o seu sobrenome na certidão de nascimento. Enfim, a ausência do pai, e dessa imago paterna, em decorrência de um abandono material e/ou psíquico, tem gerado graves conseqüências na estruturação psíquica dos filhos e que repercute, obviamente, nas relações sociais.

O abandono material não é o pior, mesmo porque o Direito tenta remediar essa falta, oferecendo alguns mecanismos de cobrança e sanção aos pais abandônicos. O Código Penal, por exemplo, tipifica como crime o abandono material e intelectual (artigo 244/246) e a Lei Civil estabelece pena de penhora e/ou prisão para os devedores de pensão alimentícia. O mais grave é mesmo o abandono psíquico e afetivo, a não-presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa a lei, o limite, segurança e proteção.

A ausência das funções paternas já se apresenta hoje como um fenômeno social alarmante, e provavelmente é o que tem gerado as péssimas conseqüências conhecidas por todos nós, como o aumento da delinqüência juvenil, menores de rua e na rua etc. E isto não é um fenômeno de determinada classe social. Certamente, nas classes menos favorecidas economicamente, o abandono material é maior, pois se mistura também com a questão política de abandono do Estado, que também exerce, em muitos casos, uma função paterna e de o “Grande Outro”. Esta ausência paterna e o declínio do “pater-viril” está acima da questão da estratificação social. É um fenômeno e resultado das transformações sociais iniciadas com a revolução feminista, a partir da redivisão sexual do trabalho e a consequente queda do patriarcalismo.

O desafio do terceiro milênio será a aprendizagem da organização da polis, considerando que não é possível pensar o Estado sem seu núcleo básico, a família. Não é possível este núcleo básico sem o “lugar Estruturante do Pai”. Teremos que reaprender, então, diante das novas formas de família e, nesse novo contexto social, o que é um pai, pois já sabemos que a ausência dele pode ser desestruturante. A partir dessa compreensão não será preciso mais clamar aos céus – o que muitos filhos têm feito, ou gostariam de dizer aos seus pais – como Jesus Cristo disse em um de seus momentos de maior fraqueza e necessidade: “Pai, porque me abandonaste?”

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