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Repensando a família

Ascom

Publicado no Jornal O Tempo no dia 23/3/1997

A família é um dos temas mais antigos e que mais tem despertado interesse para a vida, continuidade e organização das sociedades em todos os tempos e espaços. Sua concepção tem sofrido variações, transformações e evoluções, embora se possa marcar pontos comuns nas diversas culturas e tempos. Isto nos faz acreditar que, apesar de toda a polêmica e até das sempre temidas crises da família, há algo em comum e pacífico para todas as ciências e todos os tempos: a família é a célula básica da sociedade. Pode-se dizer, então, e até, que isto é uma lei natural, por irrefutável que é.

É a partir deste princípio, ou mais, desta lei, que o interesse pela família é o objeto de investigação de diversas ciências. É óbvio que todas têm, ao final, o mesmo objetivo, ou seja, entender o princípio celular (básico) da organização social, os seus complexos e dimensões, para tornar mais saudável e mais feliz as intrincadas relações daí advindas e para onde remetidas no complexo social e, conseqüentemente político e econômico.

Para o Direito, a família sempre foi definida como aquela constituída pelo casamento, indissolúvel. Com a Lei do Divórcio (1977) foi quebrado definitivamente o princípio da indissolubilidade. Com a Constituição de 1988, a Lei 8971/94, o concubinato ficou consagrado como instituição e, oficialmente, mais uma forma de constituição de família.
Constata-se, pelo mundo afora, que estas formas são bastante variáveis no tempo e espaço: família nuclear, conjugal, poligâmica, monogâmica, casamento indissolúvel (etc., etc.). Na década de 30, o antropólogo francês Levi Strauss em seu livro “Estruturas elementares do parentesco” e o psicanalista Jacques Lacan, também em seu livro “Complexos familiares”, forneceram ao mundo os elementos conceituais mais profundos sobre a família. Demonstram que, por mais variáveis que seja as suas formas, há algo em sua essência que é básico para qualquer cultura ou agrupamento humano e em qualquer espaço.

Desta ou daquela forma, a família será sempre o elemento básico para a existência do sujeito e conseqüentemente das relações sociais e jurídicas. Mas, afinal, o que é que garante e assegura a existência de uma família? Serão os laços cartorários ou civis, associados às relações de afeto e consangüinidade? Segundo Lacan, o que assegura, ou melhor, o que determina a sua existência é o elo psíquico estabelecido entre seus membros. Em outras palavras, família é uma estruturação psíquica onde cada membro ocupa um lugar e tem uma determinada função: de pai, de mãe, de filho… Portanto, a essência da família não está nos tradicionais elementos definidos pelo Direito. Não é o casamento, o matrimônio ou a biologia e consangüinidade que a determina. Prova disto é o milenar instituto da adoção que existe desde sempre. Os filhos adotados, se tomados como filhos, serão verdadeiramente filhos. A filiação verdadeira não está na relação biológica, mas antes de tudo no lugar e função estabelecida entre filhos e pais.

Também constatamos as premissas de Lacan, quando verificamos que algumas pessoas, mesmo casadas no civil e religioso, jamais conseguem estruturar uma família. Os filhos, e o próprio casal, estão sempre desajustados e apresentando constantes sintomas destes desajustes, como por exemplo, alcoolismo, filhos drogaditos, etc. Assim, a partir do momento em que o Direito considerar a família como uma estruturação psíquica, estará considerando seus elementos fundamentais e essenciais.

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