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TJMG: EC 66 e o fim da separação judicial

Ascom

(…) Diante da alteração do art. 226, § 6º, CR/88, não mais subsistem o instituto da separação judicial e as normas infraconstitucionais incompatíveis com o novel texto constitucional, devendo o divórcio ser reconhecido como direito potestativo dos cônjuges. III – Em observância à nova redação do art. 226, § 6º, da CR/88 (dada pela EC n.º 66/2010), considerando-se a extinção do instituto da separação judicial, a não conversão do feito em divórcio gera a sua inexorável extinção sem resolução do mérito (art. 267, VI, CPC).

APELAÇÃO CÍVEL. LEGITIMIDADE RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIVÓRCIO APÓS EC N.º 66/10. MUDANÇA DE PARADIGMA. ART. 226, § 6º, CR/88. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE DIRETA, IMEDIATA E INTEGRAL (AUTOAPLICÁVEL OU “SELF-EXECUTING”). FIM DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NA VIDA PRIVADA. I – Independentemente das deliberações existentes sobre a desnecessidade de atuação do Ministério Público (a exemplo da Rec. Conjunta PGJ/CGMP n.º 03/2007 e Rec. CNMP n.º 16/2010), entendendo o representante do “Parquet” que, no caso concreto, deva intervir e até mesmo recorrer, não há vedação legal para que o faça, até porque recomendações são atos desprovidos de caráter vinculativo. II – Diante da alteração do art. 226, § 6º, CR/88, não mais subsistem o instituto da separação judicial e as normas infraconstitucionais incompatíveis com o novel texto constitucional, devendo o divórcio ser reconhecido como direito potestativo dos cônjuges. III – Em observância à nova redação do art. 226, § 6º, da CR/88 (dada pela EC n.º 66/2010), considerando-se a extinção do instituto da separação judicial, a não conversão do feito em divórcio gera a sua inexorável extinção sem resolução do mérito (art. 267, VI, CPC). (TJ-MG, Apelação Cível nº 1.0701.10.020579-1/001, Relator: Peixoto Henriques, Data de Julgamento: 05/03/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 7ª CÂMARA CÍVEL)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. LEGITIMIDADE RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIVÓRCIO APÓS EC N.º 66/10. MUDANÇA DE PARADIGMA. ART. 226, § 6º, CR/88. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE DIRETA, IMEDIATA E INTEGRAL (AUTOAPLICÁVEL OU “SELF-EXECUTING”). FIM DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NA VIDA PRIVADA. I – Independentemente das deliberações existentes sobre a desnecessidade de atuação do Ministério Público (a exemplo da Rec. Conjunta PGJ/CGMP n.º 03/2007 e Rec. CNMP n.º 16/2010), entendendo o representante do “Parquet” que, no caso concreto, deva intervir e até mesmo recorrer, não há vedação legal para que o faça, até porque recomendações são atos desprovidos de caráter vinculativo. II – Diante da alteração do art. 226, § 6º, CR/88, não mais subsistem o instituto da separação judicial e as normas infraconstitucionais incompatíveis com o novel texto constitucional, devendo o divórcio ser reconhecido como direito potestativo dos cônjuges. III – Em observância à nova redação do art. 226, § 6º, da CR/88 (dada pela EC n.º 66/2010), considerando-se a extinção do instituto da separação judicial, a não conversão do feito em divórcio gera a sua inexorável extinção sem resolução do mérito (art. 267, VI, CPC).

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0701.10.020579-1/001 – COMARCA DE UBERABA – APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – APELADOS: M.F.P., E N.F.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO.

DES. PEIXOTO HENRIQUES

RELATOR

DES. PEIXOTO HENRIQUES V O T O

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais se insurge, via apelação (fls. 48/62), contra a sentença (fl. 45) que, prolatada nos autos da “ação de separação litigiosa c/c pedido de fixação de alimentos provisionais” ajuizada por M. D. P. em desfavor de N. de F. e que em audiência foi convertida em “ação de separação consensual”, homologou o acordo (fls. 25/26) e decretou a separação das partes, “declarando dissolvido o casamento e condenando-as as ao pagamento das custas, sem honorários, mas suspendendo-o, na forma do art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950”.

Em suma, o apelante aduz: que é legitimado recursal, “uma vez que versando sobre ação de estado, a intervenção do M. P. é obrigatória”; que “embora se tenha oportunizado aos apelados a conversão do pleito inicial em divórcio, eles pugnaram pela remessa dos autos ao arquivo, aduzindo expressamente que não pretendiam o divórcio”; que a Emenda Constitucional n.º 66 deu nova redação ao art. 226, § 6º, da CR, eliminando o requisito temporal para a decretação do divórcio e, indo além, suprimiu do mundo jurídico a própria separação judicial, “ou, na pior das hipóteses, tornou o instituto incompatível com a nova ordem constitucional”; que “deixando de existir a separação judicial, é evidente que o pedido dos apelados (…) se apresenta, doravante, como juridicamente impossível, além de que, de forma superveniente, o interesse de agir, antes presente, caiu por terra”; que não havendo a conversão em divórcio, o caso seria de extinção de processo sem resolução do mérito; e, por derradeiro, que “se mantido o entendimento que o instituto da separação judicial ainda sobrevive no ordenamento jurídico, tem-se que o dispositivo sentencial foi contraditório em si mesmo, conquanto tenha o ilustre julgador decretado a separação, foi além e dissolveu o casamento, o que só ocorre com a morte dos cônjuges ou divórcio”.

Requer o provimento do recurso, para reformar a sentença extinguindo o feito sem resolução do mérito e, se assim não entender, seja a parte dispositiva da sentença retificada para declarar que a separação judicial homologada importa em separação de corpos e partilha dos bens e põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

Sem preparo (art. 511, § 1º, CPC).

Contrarrazões ofertadas (fls. 65/70 e 72/76).

A d. PGJ/MG não quis se manifestar no feito.

Fiel ao breve, dou por relatado.

Conheço da apelação, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Por primeiro, importa ressaltar a legitimidade recursal, tendo em vista a preliminar aventada por N. de F. em suas contrarrazões.

Dispõe o art. 82, II, do CPC, “in verbis”:

“Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

(…) II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade,”

Assim, independentemente das deliberações existentes sobre a desnecessidade de atuação do Ministério Público (a exemplo da Rec. Conjunta PGJ/CGMP n.º 03/2007 e Rec. CNMP n.º 16/2010), entendendo o”Parquet”que, no caso concreto, deva intervir e até mesmo recorrer, não há vedação legal para que o faça, até porque recomendações são atos desprovidos de caráter vinculativo.

Não cabe aqui a alegação de que”a sentença por ele atacada não lhe traz nenhum gravame ou mesmo às partes ou à sociedade”, pois o instituto do casamento versa sobre bem jurídico que se acha colocado sob tutela especial do Estado.

No mérito, sem razão o apelante.

No tocante ao instituto do divórcio, dispunha o art. 226, § 6º, da CR/88:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 6ºº – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”

Com a promulgação da EC n.º666/2010, otexto constitucionall foi alterado, passando a viger nos seguintes termos:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 6º.. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”

A simples leitura da redação original do art.2266,§ 6ºº, daCR/888 e da atual, introduzida pela EC nº666/2010, permite a constatação de que, para o rompimento do vínculo conjugal, não há mais exigência de prévia separação judicial por mais de um ano ou de separação de fato por mais de dois anos. Resta claro, portanto, que se objetivou extinguir o sistema bifásico de dissolução do casamento (separação e divórcio), de modo que a única forma de extinção do vínculo conjugal seja o divórcio.

Neste sentido, destaque-se que a análise do fim social da emenda é imprescindível diante do disposto no art. 5º da LINDB, segundo o qual:

“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

Some-se a isto que a alteração do texto constitucional promovida pela emenda em comento implica mudança de paradigma, tendo em vista que a nova redação do art. 226, § 6º, da CR/88, conforme lição de Paulo Lôbo:

“(…) é o epílogo do que os autores denominam ‘revolução silenciosa’, no rumo da emancipação das autonomias dos cônjuges, da afirmação de suas liberdades para constituir, desconstituir e reconstruir seus projetos de vida familiar. Ao mesmo tempo, concretiza um dos princípios mais caros do Direito de Família contemporâneo, que é o da intervenção mínima do Estado na vida privada, que dá lugar ao princípio estruturante da ordem jurídica brasileira, a dignidade da pessoa humana, adequadamente salientados nesta obra.

A Emenda pode ser considerada, igualmente, o termo final da luta tenaz e duradoura pela concretização do princípio da laicidade nas relações familiares e no próprio Direito de Família.” (O Novo Divórcio, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, 2ª ed., Saraiva, p. 13/14)

Adiante na obra prefaciada pelo Dr. Paulo Lôbo, os próprios Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho corroboram com este entendimento ao vaticinarem:

“(…) o reconhecimento do divórcio, desapegado dos grilhões religiosos que ao Direito não se afirmam mais, é imperativo para um Estado que se proponha a consagrar um sistema jurídico efetivamente democrático e propiciador de uma necessária ambiência de promoção da dignidade da pessoa humana.

Com isso, todavia, não se conclua que estamos a pregar o incentivo ao divórcio.

Reconhecimento jurídico,” desjudicialização “e facilitação procedimental – noções que efetivamente sustentamos – não devem ser confundidos com a instigação ao descasamento.

Não é isso.

(…)

A formação e a conservação de um núcleo familiar, como um espaço para compartilhar o afeto e respeito, devem ser sempre a prioridade do investimento individual e social, inclusive com o apoio institucional para o cumprimento deste desiderato.

O que não aceitamos são os entraves legislativos anacrônicos, burocráticos e, por que não dizer, impiedosos, que forçam a mantença de uma relação falida, entre pessoas que não se amam mais e percebem que não vale mais a pena investir em uma situação irremediável.

(…)

Somos, nesse diapasão, defensores do constitucional direito à busca da felicidade, na perspectiva eudemonista de um Direito de Família que efetivamente respeite o princípio matricial da dignidade da pessoa humana. (p. 24/25)

“Ao facilitar o divórcio, não se está com isso banalizando o instituto do casamento.

Pelo contrário.

O que se busca, em verdade, é a dissolução menos gravosa e burocrática do mau casamento, para que os integrantes da relação possam, de fato, ser felizes, ao lado de outras pessoas.

Aliás, como bem pontuou o mencionado Dom Geraldo Lyrio Rocha, se, no âmbito eminentemente católico, o casamento continua a ser indissolúvel, isso toca à crença de cada um, não se podendo, assim, pretender deslocar para o âmbito jurídico – de um Estado que admite a crença em Deus de diversas formas – uma discussão eminentemente religiosa, segundo o credo de cada um.”(ob. cit., p. 54)

Não se deve olvidar ainda que o art. 226, § 6º, da CR/88 é norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral.

E, as normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral são conceituadas por Pedro Lenza como:

“(…) normas da Constituição que, no momento em que esta entra em vigor, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitucional (situação esta que pode ser observada, também, na hipótese de introdução de novos preceitos por emendas à Constituição ou na hipótese do art. 5º, § 3º). (…). Aproximam-se do que a doutrina clássica norte-americana chamou de normas autoplicáveis (self-executing, self enforcing ou self-action).

José Afonso da Silva destaca que as normas constitucionais de eficácia plena ‘(…) Não necessitam de providência normativa ulterior para a sua aplicação. Criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, desde logo exigíveis’.”(Direito Constitucional Esquematizado, 15.ª ed., Saraiva, p. 199)

Vale ressaltar que o STF não admite a inconstitucionalidade superveniente das normas legais, aduzindo tratar-se de revogação/não recepção, de modo que a antinomia deve ser resolvida com fulcro no direito intertemporal.

Para Marcelo Novelino:

“(…) inconstitucionalidade superveniente o ato é elaborado, em sua origem, conforme os dispositivos constitucionais. No entanto, a alteração do parâmetro constitucional, seja pelo surgimento de uma nova Constituição, seja em virtude de uma emenda, faz com que ele se torne posteriormente incompatível.”(Direito Constitucional, Ed. Método, p. 100/101)

Dirley da Cunha Jr. questiona o posicionamento do STF aduzindo que:

“O equívoco do STF residia no fato de que as questões inconstitucionais não se resolvem no plano do direito intertemporal ou do critério cronológico da lex posterior derogat lex priori, e simno plano do critério hierárquico ou da validade. O juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade é um juízo acerca da validade de uma lei ou de um ato do poder público em face da Constituição que lhe serve de fundamento. Assim, se uma lei anterior, em face da nova Constituição, perde seu fundamento de validade, por não se compatibilizar materialmente com a nova ordem jurídico-constitucional, ela é inválida, ou seja, inconstitucional.

Ademais disso, é corrente na doutrina a ideia de que o critério lex posterior derogat lex priori pressupõe duas normas contraditórias de idêntica densidade normativa, de modo que uma Constituição, composta, em regra, de normas gerais ou principiológicas, de conteúdo aberto, não possui densidade normativa equivalente a uma lei, não podendo, por isso mesmo, simplesmente revogá-la. Assim, no âmbito de uma teoria geral do direito, quando se tratar de antinomia entre normas de diferente hierarquia, impõe-se a aplicação do critério lex superior, que afasta as outras regras de colisão referentes à lex specialis ou lex posterior. A não ser assim, ‘chegar-se-ia ao absurdo destacado por Ipsen, de que a lei ordinária, enquanto lei especial ou lex posterior, pudesse afastar a norma constitucional enquanto lex generalis ou lex prior’.”(Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática, Jus Podivm, p. 274/276)

No que tange à alteração causada pela EC nº 66/10 e seus reflexos nas normas infraconstitucionais, lecionam os já citados Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:

“com a nova disciplina normativa do divórcio, encetada pela Emenda Constitucional, perdem força jurídica as leis sobre separação judicial, instituto que passa a ser extinto do ordenamento brasileiro, seja pela revogação tácita (entendimento consolidado pelo STF), seja pela inconstitucionalidade superveniente com a perda da norma validante (entendimento que abraçamos, do ponto de teórico, embora os efeitos práticos sejam os mesmos).

Pensar em sentido contrário seria prestigiar a legislação infraconstitucional, em detrimento da nova visão constitucional, bem como da própria reconstrução principiológica das relações privadas.”(ob. cit., p. 60)

Destarte, partindo-se da premissa de que o art. 226, § 6º, da CR/88 é norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral, além de considerar a iniludível força normativa da Constituição, conclui-se que as normas incompatíveis com o texto constitucional encontram-se revogadas, merece acolhida a tese do Promotor de Justiça de que a nova redação do art. 226, § 6º, da CR/88 eliminou o requisito temporal para a decretação do divórcio e”foi muito além, suprimiu do mundo jurídico a própria separação judicial, ou, na pior das hipóteses, tornou o instituto incompatível com a nova ordem constitucional”(fls. 54/55).

Ademais, conforme alhures salientado, em observância ao fim social da norma e à supremacia da Constituição, há óbice ao reconhecimento da permanência do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico pátrio e à vigência de normas infraconstitucionais atinentes a tal instituto.

Acerca do fim do instituto da separação judicial, socorro-me novamente a Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho para lembrar:

“Em 2010, a promulgação da”PEC do amor”(ou”PEC do Divórcio”), a separação judicial deixou de ser contemplada na Constituição.

Desapareceu, igualmente, o requisito temporal para o divórcio, que passou a ser exclusivamente direto, tanto por mútuo consentimento dos cônjuges quanto o litigioso.

Trata-se de completa mudança de paradigma sobre o tema, em que o Estado busca afastar-se da intimidade do casal, reconhecendo a sua autonomia para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante.

É o reconhecimento do divórcio como o simples exercício de um direito potestativo.”(ob. cit, p. 43)

Adiante, os respeitados doutrinadores ainda enfatizam:

“A partir da promulgação da Emenda, desapareceu de nosso sistema o instituto da separação judicial, e toda legislação que o regulava, por consequência, sucumbiu, sem eficácia por conta de uma não recepção.

Com isso, consideramos tacitamente revogados os arts. 1.572 a 1.578 do Código Civil, perdendo sentido também a redação do art. 1.571 no que tange à referência feita ao instituto da separação.

Não há mais espaço também para o divórcio indireto, pois, com o fim da separação judicial, não há o que ser convertido (art. 1.580).

PAULO LÔBO, em substancioso texto, passa em revista alguns dispositivos do Código Civil atingidos pela nova Emenda:

‘A nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição importa revogação das seguintes normas do Código Civil, com efeitos ex nunc: I – caput do art. 1.571 (…), por indicar as hipóteses de dissolução da sociedade conjugal sem dissolução do vínculo conjugal, única via que a nova redação tutela. Igualmente revogada está a segunda parte do § 2º desse artigo, que alude ao divórcio por conversão, cuja referência na primeira parte também não sobrevive. II – Arts. 1.572 e 1.573, que regulam as causas da separação judicial. III – Arts. 1.574 a 1.576, que dispõem sobre os tipos e efeitos da separação judicial. IV – Art. 1.578, que estabelece a perda do direito do cônjuge considerando culpado ao sobrenome do outro. V – Art. 1.580, que regulamenta o divórcio por conversão da separação judicial. VI – Arts. 1.702 e 1.704, que dispõem sobre os alimentos devidos por um cônjuge ao outro, em razão da culpa pela separação judicial; para o divórcio, a matéria está suficiente e objetivamente regulada no art. 1.694. Por fim, consideram-se revogadas as expressões ‘separação judicial’ contidas nas demais normas do Código Civil, notadamente quando associadas ao divórcio. Algumas normas do Código Civil permanecem, apesar de desprovidas de sanção jurídica, que era remetida à separação judicial. É a hipótese do art. 1.566, que enuncia os deveres conjugais, ficando contido em sua matriz ética. A alusão feita em algumas normas do Código Civil à dissolução da sociedade conjugal deve ser entendida como referente à dissolução do vínculo conjugal, abrangente do divórcio, da morte do cônjuge e da invalidade do casamento. Nessas hipóteses, é apropriada e até necessária a interpretação conformidade com a Constituição (nova redação do § 6º do art. 226).”(ob. cit, p. 57/58)

Paulo Lôbo, ainda no prefácio dessa mesma obra, salienta que:

“(…) Em uma sociedade democrática, que também contempla a democracia nos grupos sociais como família, a intervenção do legislador na ordem familiar deve ser mínima, ao contrário do que se justifica na ordem econômica para a proteção dos hipossuficientes e da economia popular.

De raiz canônica eram também as causas que legitimavam a separação, qualificando os cônjuges em culpados e inocentes, com repercussão inclusive no Código Civil de 2002. Desaparecendo a separação como pré-requisito ou faculdade, desaparecem as causas que a ensejavam. Preserva-se a vida privada, pois as razões que levam os casais a se separarem devem ficar imunes ao espaço público e ao conhecimento do Estado, pois inteiramente desvestidas de interesse público. Na contemporaneidade, as razões do amor ou do desamor não devem ser objeto de sindicação forçada.”(ob. cit., p. 13/14)

Diante da alteração do art. 226, § 6º, CR/88, não mais subsiste o instituto da separação judicial no ordenamento jurídico brasileiro, devendo o divórcio ser reconhecido como direito potestativo dos cônjuges, sendo desnecessária a comprovação de transcurso de lapso temporal concernente à separação de fato ou de qualquer justificativa quanto aos motivos determinantes da ruptura do vínculo conjugal, sequer da imputação de culpa, bastando para tanto o fim do afeto e o desejo do casal de se divorciar. Trata-se de deliberação personalíssima, não se devendo olvidar que, diante da laicidade e da imperiosa observância do princípio da dignidade da pessoa humana e da ruptura do afeto, a intervenção do Estado há de ser mínima na autonomia privada do casal.

Não bastasse isso, em observância à nova redação do art. 226, § 6º, da CR/88 (dada pela EC n.º 66/2010), considerando-se a extinção do instituto da separação judicial, iniludível que a alteração ou a conversão da”ação de separação judicial”para”ação de divórcio”não implica afronta ao princípio da inércia ou ao art. 264 do CPC, tampouco macula a sentença de vício”ultra petita”ou”extra petita”.

Sobre os processos de separação judicial em curso quando da promulgação de EC nº 66/2010, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

“Deverá o juiz oportunizar à parte autora (no procedimento contencioso) ou aos interessados (no procedimento de jurisdição voluntária), mediante concessão de prazo, a adaptação de seu pedido ao novo sistema constitucional, convertendo-o em requerimento de divórcio.

Nesse particular, não deverá incidir a vedação constante no art. 264 do Código de Processo Civil, segundo o qual ‘feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas em lei. Parágrafo único. A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo’.

Isso porque não se trata de uma simples inovação do pedido ou da causa de pedir no curso do processo, em desrespeito aos princípios da boa fé objetiva e da cooperatividade, que impedem seja uma das partes colhida de surpresa ao longo da demanda.

De modo algum.

O que sucede, em verdade, é uma alteração da base normativa do direito material discutido, por força de modificação constitucional, exigindo-se, com isso, adaptação ao novo sistema, sob pena de afronta ao devido processo civil constitucional.

Caso se recusem, ou deixem transcorrer o prazo concedido in albis, deverá o magistrado extinguir o processo, sem enfrentamento do mérito (…).

Se, entretanto, dentro do prazo concedido, realizarem a devida adaptação do pedido, recategorizando-o, à luz do princípio da conversibilidade, como de divórcio, o processo seguirá seu rumo normal, com vistas à decretação do fim do próprio vínculo matrimonial, na forma do novo sistema constitucional inaugurado a partir da promulgação da Emenda.”(ob. cit., p. 145)

A propósito, eis a jurisprudência:

“APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – DIVÓRCIO DIRETO – PRÉVIA SEPARAÇÃO JUDICIAL OU DE FATO: DESNECESSIDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010: NORMA AUTO-EXECUTÁVEL – RECURSO DESPROVIDO. É auto-executável a norma do art. 226, § 6º, da CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 66/201, que suprimiu requisitos da prévia separação, judicial ou de fato, para dissolução do casamento e é auto-executável.”(AC n.º 1.0028.10.001112-2/001, 7ª CCív/TJMG, rel. Des. Oliveira Firmo, DJ 17/2/2012)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 – APLICAÇÃO IMEDIATA E EFICÁCIA PLENA – AUSÊNCIA SUPERVENIENTE DE INTERESSE RECURSAL – RECURSO NÃO CONHECIDO. – A Emenda Constitucional nº 66/2010 é norma de eficácia plena e de aplicabilidade direta, imediata e integral, que regulamenta, inclusive, os processos em curso, como ‘in casu’. – Com o advento da nova norma constitucional, a separação judicial deixou de existir no ordenamento jurídico pátrio, pelo que a controvérsia resta esvaziada de interesse recursal.”(AC n.º 1.0051.08.022176-8/001, 8ª CCív/TJMG, rel. Des. Vieira de Brito, DJ 26/10/2011)

“DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CIVEL. SEPARAÇÃO LITIGIOSA. ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO. (…). – Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 66, deu-se nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, suprimindo a prévia separação como requisito para o divórcio, eliminando prazos para sua propositura e extinguindo o instituto da separação judicial, razão pela qual, havendo pedido, ainda que formulado em grau recursal, deve ser decretado, de imediato, o divórcio do casal.”(AC n.º 1.0431.07.035731-1/001, 8ª CCív/TJMG, rel. Des. Elias Camilo, DJ 2/6/2011 – ementa parcial)

“Apelação Cível – Direito de Família – Separação Judicial Litigiosa – Conversão em Divórcio – Emenda Constitucional nº 66/2010 – Possibilidade (…) – Embora permaneçam, ainda, no Código Civil, alguns dispositivos que tratam da separação judicial (artigos 1.571 e 1.578), a partir da edição da Emenda Constitucional nº 66/2010, não há mais a possibilidade de se buscar o fim da sociedade conjugal por meio deste instituto, mas, tão somente, a dissolução do casamento pelo divórcio.”(AC n.º 1.0487.06.021825-1/001, 4ª CCív/TJMG, rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, DJ 7/2/2011)

“DIREITO DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010. APLICABILIDADE IMEDIATA. (…). Com o advento da emenda constitucional n. 66/2010, o sistema dual (separação e divórcio) de rompimento do vínculo legal da sociedade conjugal, de matizes indiscutivelmente religiosas, foi suplantado em nosso ordenamento, cedendo espaço ao sistema único, mais condizente com o Estado laico aqui adotado. Deste modo, data vênia às posições contrárias, a partir da modificação supra foi extirpada de nosso ordenamento a figura da separação, existindo, tão somente, o divórcio, que não mais apresenta como requisito prévio a separação de fato por mais de 2 (dois) anos ou a decretação da separação judicial. Destarte, considerando-se tais assertivas e em atendimento aos princípios da celeridade e da economia processual, deve ser decretado o divórcio, ainda que o pedido inicial da ação seja de separação, posto que as normas constitucionais são autoaplicáveis.”. (AC nº 1.0515.08.034477-0/001, 5ª CCív/TJMG, rel. Des. Mauro Soares de Freitas, DJ 25/8/2011, ementa parcial)

No caso em comento, após opinar o apelante no sentido de oportunizar às partes a conversão do pedido inicial em divórcio direto (fl. 31), o que acatado pelo d. julgador”a quo”(fl. 32), o varão, em petição à fl. 34, afirmou que”na audiência de conciliação, as partes se compuseram e esclareceram, ao final, que não pretendem, ao menos por ora, divorciarem, nos termos da EC n. 66/2010″. Em razão disso, o magistrado cancelou a nova audiência e, após colhido o parecer ministerial, homologou o acordo das partes, decretando a separação judicial das mesmas. Ora, o certo é que com a entrada em vigor da EC n.º 66/2010, se não for convertido o pedido de separação judicial em divórcio nos autos, inexorável será a extinção do processo de separação sem a resolução de seu mérito (art. 267, VI, CPC).

Destarte, imperativo o provimento do recurso de apelação.

À mercê de tais considerações, DOU PROVIMENTO à apelação, extinguindo o feito sem o julgamento do mérito.

Sem custas recursais (LE n.º 14.939/03).

É o meu voto.

DES. OLIVEIRA FIRMO (REVISOR) – De acordo com o Relator.

DES. WASHINGTON FERREIRA – De acordo com o Relator.

SÚMULA:”DERAM PROVIMENTO”

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