Protocolo de Gênero orienta decisão que garante R$ 50 mil por danos morais à vítima de violência
No Rio Grande do Sul, uma mulher vítima de violência doméstica deverá ser indenizada pelo ex-marido em R$ 50 mil por danos morais. A 3ª Vara Cível da Comarca de Cachoeirinha teve como base o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
A sentença reconheceu a ocorrência de violência doméstica em suas modalidades física, verbal, patrimonial e vexame público, além da gravidade das condutas, a extensão do dano e a capacidade econômica do réu. A juíza responsável pelo caso também destacou que os atos de violência se estenderam ao longo do tempo, inclusive após a separação do casal, e que os impactos dessas condutas justificam a contagem do prazo prescricional a partir da última ocorrência dos danos.
Segundo a magistrada, ficou comprovado que a autora foi vítima de agressões físicas e verbais, além de sofrer violência patrimonial, como a interrupção do pagamento de um veículo presenteado e a frustração da promessa de moradia. A magistrada ressaltou que a palavra da vítima tem peso elevado na análise dos fatos e que o dano moral decorrente de violência doméstica é presumido, dispensando comprovação específica de sofrimento.
A juíza ponderou que, no caso dos autos, “a robusta prova testemunhal demonstrou, de forma inequívoca, um mosaico de atitudes do réu, que atuou com a pretensão de dominação da autora, através de violência física, verbal e patrimonial”.
“A autora foi atingida, inclusive, em seu maternar, posto que atingida através de sua filha, que foi atacada e também presenciou os ataques à mãe. Tais atos, além de violarem direitos personalíssimos da vítima, atingem sua dignidade, integridade física e psicológica, autonomia e bem-estar, configurando, de per si, o dano moral passível de reparação”, concluiu a magistrada. Cabe recurso.
Perspectiva de Gênero
Uma resolução recente do CNJ está revolucionando o Direito de Família: o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. Rodrigo da Cunha Pereira explica como essa mudança cultural pode reequilibrar decisões judiciais considerando o contexto histórico da mulher no sistema patriarcal.
A Resolução 492/2023 do CNJ estabeleceu protocolo obrigatório para julgamento com perspectiva de gênero em todos os casos envolvendo mulheres. Rodrigo da Cunha Pereira explica que juízes devem considerar o contexto histórico do patriarcalismo ao tomar decisões, reconhecendo que o machismo estrutural afeta toda a sociedade.
O especialista destaca que juízes são imparciais, mas não neutros – sua subjetividade está contaminada pelo sistema patriarcal. Por isso, o que parece “normal” (como não dar pensão para mulher casada 30 anos) na verdade não é normal quando analisado sob perspectiva de gênero.
Rodrigo da Cunha foi pioneiro ao aplicar essa perspectiva em 2004, antes mesmo do protocolo existir. Case marcante: mulher casada 30 anos, quatro filhos, ganhava R$ 20 mil enquanto marido ganhava R$ 1,5 milhão. Na separação, ele se recusou a pagar pensão alegando que ela tinha renda própria. O resultado foi pensão compensatória de 100 salários mínimos para equilibrar a queda brusca no padrão de vida.
A diferença é fundamental: pensão alimentícia atende necessidades básicas (educação, saúde, moradia), pensão compensatória tem natureza indenizatória, compensando desequilíbrios patrimoniais decorrentes do fim do casamento.
O protocolo reconhece o trabalho invisível da mulher: carga mental dos cuidados parentais, responsabilidade por emergências escolares, administração doméstica. Este trabalho tem valor econômico e deve ser considerado nas decisões judiciais.
Embora recente (2023), o protocolo já mostra resultados, com várias decisões aplicando perspectiva de gênero. Trata-se de mudança cultural que não acontece da noite para o dia, mas representa revolução no pensamento jurídico brasileiro.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do TJRS)