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A falência dos tribunais de família

Ascom

Publicado no Jornal Estado de Minas no dia 17/5/1999

Sinal dos tempos! Na virada do milênio estão emergindo sintomas nas instituições ditas democráticas que transparecem através do discurso sobre reforma no Judiciário, corrupção, extinção de determinados tribunais, súmula vinculante, CPI’s, controle externo do Judiciário, extremecimento e questionamento da independência dos poderes preconizados por Montesquieu no século XVIII.

Estamos em um momento importante e fértil para reflexão e entendimento da melancólica incapacidade da Justiça de compreender o seu papel institucional e social. O aparato judicial, da forma como organizado e estruturado, não consegue mais sustentar a Justiça idealizada pelo Direito. Sabemos todos que não é possível democracia sem Justiça; não existe Justiça sem os aparelhos de Estado (funcionando).

Dentre os males causados pela morosidade do Judiciário não se pode deixar de apontar um aspecto especial na Justiça, que são os processos ligados ao Direito de Família. Nunca é demais repetir que é justamente aí, na família, que residem, nascem e morrem todas as questões mais fundamentais do ser humano. É aí que se funda e estrutura o sujeito. Por aí transitam a afetividade, o amor paterno, fraterno e conjugal. É a partir daí que se organizam todas as demais instituições, inclusive o próprio Estado.

Quando há um conflito na família e chega-se às barras de um tribunal, o cidadão depara-se, na maioria das vezes, com um outro grande problema, que é a lentidão do Judiciário, talvez maior que o próprio problema originário. Ora, Justiça tardia não é justiça. Sabemos todos que a morosidade do Judiciário está ligada à questão de sua própria estrutura, hoje inadequada. Mas não é só isso.

O problema das injustiças ocasionadas pela lentidão desse poder de Estado está vinculado também à sua própria concepção. No caso específico da justiça da família, os procedimentos e regras processuais, sistemática de recursos, são ainda os mesmos de um processo civil comum, onde se discute, por exemplo, a dissolução de uma empresa, ações comerciais, possessórias etc. A aplicação dessa mesma sistemática constitui-se como um dos elementos inviabilizadores de se fazer justiça nas famílias. Se pensarmos que uma cobrança de pensão alimentícia, geralmente, leva o mesmo tempo e se serve das mesmas regras de qualquer cobrança comercial, entenderemos porque uma execução de alimentos transforma-se quase sempre em um verdadeiro calvário.

Também em nome da segurança das relações jurídicas, tentam fazer-nos acreditar na necessidade de alguma morosidade. Com isto, entre o justo e o legal, nem sempre coincidentes, muitos julgadores, em nome dessa “segurança”, vêem-se obrigados a optar pelo legal. Residem aí também muitas injustiças, aliás, há muito tempo já anunciadas e denunciadas pelo movimento iniciado no Sul do Brasil, conhecido pelo desgastado nome de Direito Alternativo.

Todos aqueles que trabalhamos no dia-a-dia com o litígio de família já nos deparamos com essa situação caótica em que se encontram os tribunais de família. Não podemos deixar de acusar, denunciar e indignar com as injustiças ocasionadas pela lentidão desses processos judiciais. Mas não é somente essa lentidão. Há algo em sua própria concepção que precisa ser repensado e mudado: os operadores do Direito que trabalham nessa área deveriam, obrigatoriamente, ter uma formação específica para tratar de assuntos tão delicados e melindrosos. Não basta uma qualificação técnica processual, é necessário também um olhar e uma escuta diferenciados para o tratamento e julgamento das questões familiais. Muitos conflitos e muitos dos longos e tenebrosos processos judiciais poderiam ser evitados se já estivéssemos aplicando, aqui no Brasil, a exemplo do que já ocorre em outros países, a já conhecida Mediação. Seria um outro grande passo para evitar as degradantes “estórias” dos restos do amor levadas ao Judiciário.

A tão esperada e anunciada reforma do Judiciário não pode prescindir e desconsiderar que os conflitos de família levados à Justiça deveriam receber um tratamento diferenciado e especializado, sob pena de se continuar fazendo muita injustiça. Mas a beira do caos em que se encontra nossa entravada Justiça não é responsabilidade somente do Poder Judiciário. O Legislativo deveria fazer também sua “mea culpa”. Uma legislação mais moderna para os procedimentos processuais também é essencial para a agilidade dos processos. Certamente os tribunais de família no Brasil funcionariam melhor se tivessem instrumentos legislativos mais adequados. Um Código de Família, por exemplo, certamente daria respostas mais contemporâneas para uma justiça de família na sociedade para o próximo século.

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