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A subjetividade do juiz

Ascom

O maior mérito de Freud foi ter demonstrado ao mundo a existência e as formas de manifestação do inconsciente. Desde então, o pensamento contemporâneo começou a tomar outros rumos. Com o pensamento jurídico não é diferente. Pierre Legendre, na França, e Peter Goodrich, na Inglaterra, foram os primeiros a escrever sobre esse encontro e a influência do conhecimento psicanalítico na ciência jurídica.

Todos os atos e fatos jurídicos com os quais nós, operadores do direito, trabalhamos, são predeterminados, determinados ou, no mínimo, influenciados pelo inconsciente. São as razões que a própria razão desconhece. Não se pode mais desconsiderar essa “razão” inconsciente que perpassa todos os atos e fatos jurídicos.

A subjetividade está presente também nos atos do juiz. Seu ato mais importante, a sentença, não está isento dela. Nesse sentido, podemos dizer que a neutralidade é um mito. Dois recentes julgamentos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos ajudam a esclarecer como essa subjetividade determina a objetividade do direito e de seus julgamentos.

Em 21/9/93, a 1ª Câmara Cível do TJ-MG negou pedido de anulação de casamento a um homem que descobriu que a mulher com a qual se casou não era virgem (apel. 1.078/4). O fundamento do julgamento, contrário ao art. 219, 4º, do Código Civil, muito acertado, é de que o direito é dinâmico e não pode ficar apegado à literalidade da lei. Em razão do princípio da igualdade entre homens e mulheres, ter-se-ia que conceder esse direito também às mulheres. Diante da impossibilidade de provar a virgindade masculina, não cabe mais no ordenamento jurídico brasileiro anulação de casamento em razão da não-virgindade da mulher, afirmou-se no acórdão.

Em 11/4/94, a 5ª Câmara Cível desse mesmo tribunal, apesar da proibição do art. 183, 12º, do Código Civil, autorizou o casamento de um jovem de 17 anos que havia “deflorado” uma mulher de 21.

A premissa do fundamento legal, também contrário à lei, é a mesma do caso anterior: o direito não pode ser estático. Já que o rapaz havia deflorado a moça, seria melhor que se casassem “evitando que possa ela vir a se prostituir”(apel. 3.764/89).

Esses dois casos, que mais parecem do passado, ilustram bem como os julgamentos são permeados pela subjetividade do juiz e, portanto, como seus valores morais e suas concepções sobre sexualidade são determinantes. Em ambos, o pressuposto objetivo é o mesmo: o direito é dinâmico, deve traduzir a realidade social, e não se pode ficar apegado à literalidade da lei. Entretanto a fundamentação se deu inteiramente na ordem da subjetividade.

Cada julgador, com seus valores e concepções morais, é quem faz uma sentença. Os exemplos aqui trazidos vêm apenas demonstrar a presença da subjetividade no direito e nos atos jurisdicionais. Mas isso não tem nada de mais. Nem de novo nem de velho. Os julgamentos sempre foram e continuarão sendo assim. A novidade é apenas o reconhecimento da subjetividade na objetividade. Em outras palavras: a partir do momento em que o direito deixar de negar que os atos e fatos objetivos são perpassados pelo inconsciente e reconhecer a legalidade da subjetividade, poderemos estar mais próximos do ideal de Justiça.

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