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Conduta ética do profissional do Direito de Família nas separações

Ascom

Separar ou não separar? Eis uma questão, ou ideia, que já passou pela cabeça de grande parte dos casais, pelo menos uma vez, embora não se confesse ou admita isso. A decisão por uma separação, por mais inusitada que possa parecer, raríssimas vezes é feita de uma hora para outra. Pelo menos por uma das partes, essa ideia é trabalhada internamente durante muito tempo, às vezes anos, até que esteja pronta para ser externada ou verbalizada.

Separar é um ato tão doído que muitas vezes nem assumimos que já estamos separados. É tão sofrido que muitos acabam fazendo da separação uma atitude impensada e o fazem para se ver livre do sofrimento, quando esse processo poderia culminar com a reconstrução da conjugalidade, ao invés da separação.

Nós, profissionais do Direito, não temos o direito de influenciar a que os casais se separem ou não. Não podemos ser agentes separadores e nem induzir sobre qual a decisão será mais adequada para eles. É uma decisão da ordem do particular e um ato de responsabilidade dos sujeitos envolvidos.

Muitos não têm a capacidade de resolver, por si mesmos, esses conflitos internos e o externalizam através dos eternizantes processos judiciais. Levam para o litigio judicial os restos do amor, transformados em histórias de degradação do outro, o que certamente não é a solução para uma separação. Ao contrário, esses processos em geral, muitas vezes, são exatamente para não resolver e para não separar, já que continuam a relação através da Justiça. O ódio une mais do que o amor.

Separação de casais não é fácil e nem simples. Há razões inconscientes que muitas vezes encobrem os seus verdadeiros motivos. Muitas vezes são recalques, guardados por anos e anos, e que em algum momento vem à tona. Em linguagem popular: engoliu “muito sapo” e não digeriu. Há pessoas que mesmo já separadas de fato levam anos para oficializar a separação/divórcio.

Outras, dizem até que não é necessário, e que isso é mera formalidade. Outros têm medo de instalar um litigio e acabam deixando pra lá. No fundo, no fundo, ou melhor, inconscientemente, talvez essas “desculpas” sejam apenas as dificuldades de lidar com a possível realidade da separação.

Contribuição do Direito

Diante dessas dificuldades, com o peso e a responsabilidade de uma decisão sobre o ato de separar ou não, é muito comum atribuir a um profissional do Direito de Família o poder de resolução para pôr fim a conflitos que tanto atormentam e angustiam. Nós, profissionais do Direito, advogados, defensores públicos, promotores e juízes, assim como os psicanalistas e psicólogos, ocupamos também um lugar de “suposto saber”.

Atribuem a nós um saber que lhes permite pensar que poderemos resolver ou dizer uma palavra milagrosa que possa pôr fim aos seus conflitos internos, resolver todos os seus problemas de separação. Ledo engano. Não existe consolo ou palavras mágicas para resolver os conflitos e dificuldades com a separação. Não há profissional responsável que possa fazer promessas dessa natureza ou dar receita salvadora. Mas é possível ajudá-los na elaboração psíquica dessa dor. Separar, às vezes é desejo, às vezes necessidade, e também compromisso com a saúde, e ato de coragem e responsabilidade.

O que podemos e devemos fazer é fornecer os elementos jurídicos, proporcionando reflexões para tomadas de decisões. E assim, estaremos ajudando os clientes na elaboração psíquica da dor da separação. Eis aí uma importante contribuição do Direito para a Psicanálise.

Um divórcio deve ser tratado sob dois ângulos, ou em duas partes: uma, objetiva, prática e negocial; outra, sob o aspecto afetivo e subjetivo. O trabalho dos operadores do Direito é o de pontuar essa mistura e confusão que se faz das questões objetivas com as da subjetividade. Separar o joio do trigo.

Desta forma, torna-se possível desmontar o discurso da aparência, fazer emergir os reais motivos do conflito, compreendê-los em sua profundidade, desfazendo equívocos para encontrar a mais justa adequação. Em outras palavras, nosso desafio é transformar toda essa confusa subjetividade em objetividade dos atos e fatos jurídicos, ajudando a colocar limites no “gozo mortífero” a que muitas vezes nos submetemos. Gozo é uma expressão psicanalítica, usada por Lacan a partir da observação de processos judiciais, que significa o paradoxo do prazer e sofrimento, como tão bem expressa a música “Você não vale nada, mas eu gosto de você/tudo o que eu queria era saber porque” (cf. Verbete Gozo – do meu Dicionário de Direito das Famílias – Ilustrado – 3ª Ed. Foco).

Não há culpados

O melhor caminho para separações continua sendo a da velha fórmula de que não encontraremos a resposta no outro. Por mais que acreditemos que esse outro detenha um conhecimento e poderá nos salvar, resolvendo nossos conflitos e nossas angústias. Mas já será um bom começo se as definições importantes, como separar ou não, estiverem sendo buscadas no fundo da própria alma, ao invés de serem delegadas a outrem.

E, uma vez decidido pelo fim da conjugalidade, ela só fluirá bem se se tiver a consciência de que não há culpados nessa história. É muito mais fácil atribuir ao outro a culpa, pois assim não nos responsabilizamos por nossos próprios atos. Não há culpados. Mas cada uma das partes tem sua parcela de responsabilidade. Foi neste sentido a EC 66/2010, proposta pelo IBDFAM, que simplificou o sistema de divórcio no Brasil, encerrando de vez a discussão de culpa em nosso ordenamento jurídico.

Enfim, separação é antes de tudo um processo psíquico, interno, que pode se externalizar em processo consensual ou litigioso. Nem sempre é possível, mas o ideal é que ele possa significar apenas a passagem de um ato a outro, de maneira civilizada, sem ódio, sem briga, como bem já cantou essa bola o poeta curitibano Paulo Leminski:

Amor, então, também acaba? Não que eu saiba/ o que eu sei é que se transforma/ numa matéria-prima/que a vida se encarrega de transformar em raiva/ ou em rima.

É melhor tentar ensinar os nossos clientes a fazerem rima. Esta deve ser a conduta ética de um profissional do Direito de Família e Sucessões.

Rodrigo da Cunha Pereira
é advogado, doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito Civil, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), autor de vários livros e trabalhos em Direito de Família e Psicanálise e parecerista.

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