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TJCE: Multiparentalidade

Ascom

(…) Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de TODOS os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória da vida humana. Quanto aos efeitos do reconhecimento da paternidade socioafetiva, ao contrário do que decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que embora reconhecendo a possibilidade da dupla paternidade, manteve o registro original, sem a inclusão do nome do pai biológico, entendo que esta não é a solução que melhor atenda aos interesses no caso em análise. A solução que me parece ser a mais razoável, a despeito da não concordância da genitora biológica do requerente, é a de manter a paternidade já assentada e incluir também no referido registro a paternidade socioafetiva.(…)

955-31.2010.8.06.0145/0 – Tombo: 3382010 – PROCEDIMENTO ORDINÁRIO REQUERENTE.: F. T. D. REQUERIDO.: M. A. D. “Fica Vossa Senhoria Intimado da Sentença a seguir transcrita: “S E N T E N Ç A – Cuida-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA proposta por F. T. D. F. em desfavor do ESPÓLIO DE A. M. D. O. (cf. inicial e emenda de fls. 31 e 213). Contestação e documentos acostados às fls. 52/199. Réplica e retificação da inicial às fls. 202/213. Audiência de instrução realizada conforme Termo de Audiência e arquivo de áudio e vídeo acostados às fls. 264/265. As partes, após regular intimação apresentaram alegações finais (cf. fls. 321/340 e 382/421). O douto representante do Ministério Público em sua manifestação de fls. 428/429 declinou “de sua intervenção no presente feito” e pugnou “pelo prosseguimento do feito sem a sua intervenção”. É o relatório em abreviado. Inicialmente afasto a preliminar de coisa julgada arguida pela requerida. No moderno processo legal, notadamente na seara do Direito de Família, em que se cuida de direitos indisponíveis, a condução do processo deve ser norteada pela busca da verdade real. Resta ao julgador, assim, a iniciativa da prova necessária em busca da elucidação da verdade dos fatos, sobretudo em se tratando de ação de estado, cuja justa composição interessa não só aos litigantes, mas a toda a coletividade. Em matéria de relativização da coisa julgada material na busca pela identidade dos vínculos de paternidade/filiação, impõese distinguir duas situações: a primeira, em que o julgamento na ação de paternidade (investigação/negação) é proferido com base em elementos de prova convincentes para o deslinde do feito; a segunda, bem diferente, em que o julgamento é proferido segundo as regras do art. 333 do CPC , pela ausência ou pela insuficiência de provas para se decidir com segurança pela procedência ou improcedência do pedido. Na primeira hipótese, a decisão faz coisa julgada material, restando ao apelante somente o ajuizamento de ação própria, no intuito de reexaminar a prova ali existente. Na segunda hipótese, todavia, permanece o direito do interessado de ajuizar nova ação de investigação ou negação de paternidade, quando entender que possui elementos de prova suficientes para comprovar as suas alegações – notadamente se na primeira demanda o desfecho houver sido contrário à verdade biológica revelada por exame de DNA ou se, como no caso em análise, a paternidade socioafetiva não houver sido arguida pela parte contrária. A prática conhecida como “adoção à brasileira”, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários. Todavia, no caso dos autos foi a genitora quem formulou o pedido de anulação do registro de nascimento feito “à brasileira” e não houve manifestação judicial sobre o objeto da presente demanda, qual seja: paternidade socioafetiva, sendo certo que a referida ação anulatória sofreu contestação por parte do falecido. No que diz respeito ao nome da parte autora, vê-se claramente que houve a utilização do nome que consta no registro de nascimento anulado, entretanto acato a retificação feita pelo autor. DO MÉRITO Trata-se, sem dúvida, de caso absolutamente inédito neste Juízo e decorre dos formatos familiares contemporâneos, para os quais o Direito nem sempre tem solução pronta, pacífica, consolidada. É inegável que a família mudou e o caso dos autos é reflexo destas transformações. Cabe ao Direito, portanto, encontrar soluções para atender essas novas configurações. Extrai-se dos autos que o requerente foi registrado “como se filho fosse” de A. M. D. O. e M. G. A. M., conforme documentos de fls. 47 e 107 (acostados pelo demandante e demandada, respectivamente). Referido assento de nascimento foi anulado em decisão transitada em julgado proferida pelo Juízo da Comarca de Pacatuba/CE (cf. fls. 160). Acostou-se aos autos o registro de nascimento nº 4.093 no qual consta o requerente como filho de F. T. D. E Z. P. M., este em plena eficácia e validade. Compulsando os autos verifica-se que a própria requerente se refere ao autor em documentação acostada como “filho de Mardônio” (cf. fls. 173), além de farta documentação e prova testemunhal dando conta da relação havida entre A. M. D. O. e F. T. D. F. se configurou como uma relação entre pai e filho. Colhe-se dos autos que a parte demandada assevera que para ver reconhecido, pelo Direito, a filiação socioafetiva, seria necessário renunciar, excluir a paternidade biológica e afetiva com o genitor. Afinal de contas, as próprias partes informam que a relação do requerente e do falecido era de pai e filho, não obstante o relato, tomado de ofício por este juízo, da senhora Mardênia que afirma que havia um desgaste na relação entre pai e filho. Restou demonstrado que o autor teve laços de afeto com Mardônio, fato este de conhecimento público, conforme depoimentos prestados durantes a instrução processual, bem como nos depoimentos constantes nos autos na Ação Penal em trâmite neste Juízo em desfavor do requerente. Em síntese: Os fatos demonstram que ambos, o pai biológico e o requerente, exerceram o papel de pai do requerente. O primeiro no ato da concepção e o segundo na sua criação e sustento. Excluir um deles da paternidade significaria privar o requerente do reconhecimento da convivência com Mardônio. Cabe agora traduzir estes fatos para a realidade jurídica, levando em consideração, em especial, os princípios que orientam o Direito de Família, tendo em vista que a legislação existente é lacunosa em relação a situações como a dos autos. Sarlet ensina que “na Constituição também está incluído o que não foi expressamente previsto, mas que implícita e indiretamente pode ser deduzido, doutrina esta que se encontra perfeitamente sedimentada em toda história do constitucionalismo republicano, mas que, nem por isso, (e talvez por isso mesmo), dispensa outros desenvolvimentos.” 1 A família contemporânea ao passar do sistema patriarcal romano para o atual modelo passou a ter sua base nas relações de afeto entre seus membros. A família passou a ser um instrumento de realização pessoal e não um fim em si mesmo. Interessante observar que com o desenvolvimento de modernas técnicas científicas que conseguem precisar com certeza praticamente absoluta a filiação genética, esta aos poucos vai perdendo espaço, dando lugar a uma nova forma de filiação, a filiação socioafetiva. Pai, portanto, não é somente aquele que gera o filho, mas principalmente aquele se apresenta socialmente com pai, é reconhecido como tal pela sociedade, cultiva por muito tempo laços de afeto, como sustenta Renato Maia: “a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação psico-afetiva. Aquele, enfim, que além de poder emprestar seu nome de família, trata o indivíduo como seu verdadeiro filho perante o ambiente social.” 2 Everton Leandro da Costa esclarece que a filiação socioafetiva é compreendida como uma relação jurídica de afeto como o filho de criação, como naqueles casos que mesmo sem nenhum vínculo biológico os pais criam uma criança por mera opção, velando-lhe todo amor, cuidado, ternura, enfim, uma família, em tese, perfeita.3 Paulo Lôbo ensina que a filiação biológica só é importante na medida em que não há outra filiação estabelecida, como a socioafetiva. Não há primazia entre filiação biológica e filiação socioafetiva, já que a Constituição Federal veda qualquer distinção entre os filhos, não importando sua origem ou classificação.4 Esclarece o renomado jurista que em matéria de filiação, historicamente, a ciência jurídica sempre se valeu de presunções para atribuir a filiação, como a pater is est quem nuptiae demonstrant mater, sempre certa esta presunção de paternidade em relação a quem manteve relacionamento sexual com a genitora, a exceptio plurium concubentium, presunção de paternidade dos filhos concebidos durante o casamento (ou 180 dias antes e 300 depois). Essas presunções perderam importância na medida em que a ciência evoluiu e hoje tem condições de atribuir com grau de certeza bastante elevado a origem genética da pessoa. O vínculo de filiação afetiva se estabelece com o tempo, com a convivência, com os cuidados, com a assistência material, espiritual, psicológica, enfim, pela dedicação de amor e de afetividade. Apresentase nesse comportamento, que poderíamos classificar como sendo de conteúdo interno, mas também por meio de um comportamento exteriorizado, público, social, como por exemplo, nas relações escolares, de modo que se apresenta como verdadeiro filho. A doutrina vem definindo esta situação como sendo a posse do estado de filho. Thiago Felipe Vargas Simões diz que a posse do estado de filho se configura sempre que alguém age como se fosse o filho e outrem como se fosse o pai, pouco importando a existência de laço biológico entre eles. É a confirmação do parentesco/filiação socioafetiva, pois não há nada mais significativo do que ser tratado como filho no seio do núcleo familiar e ser reconhecido como tal pela sociedade, o mesmo acontecendo com aquele que exerce a função de pai. A posse de estado de filho, nada mais é, do que a prática de reiterados atos dos núcleos familiares, diante de uma íntima e longa relação de afeto, cuidado, preocupação e outros sentimentos que surgem com o carinho.5 A filiação socioafetiva pode estar acompanhada de outros tipos filiação. “(…) o filho pode ser ao mesmo tempo biológico, registral e socioafetivo. A filiação também pode ser registral e socioafetiva, mas não biológica. É o caso da filiação que se estabelece por adoção, pela chamada adoção à brasileira, bem como pela paternidade assistida heteróloga. O pai aparece no registro e mantém uma relação de afetividade filial com a criança, mas não é o genitor biológico. Outra situação é o da paternidade biológica e socioafetiva, mas não registral. É o caso, por exemplo, do filho que está registrado apenas no nome da mãe e convive com o pai, mas não consta no registro de nascimento o nome do genitor. Ainda é possível apenas a filiação socioafetiva, que neste caso não coincide nem com a filiação biológica, nem com a filiação registral, mas é meramente socioafetiva, como é o caso dos denominados filhos de criação” (extraído de Sentença proferida pelo Dr. Sergio Luiz Kreuz, TJPR). O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em julgamento que indica a tendência jurisprudencial brasileira, decidiu que quando confrontada a filiação biológica com a filiação socioafetiva, decorrente da chamada à adoção à brasileira não teve dúvidas em reconhecer a segunda, em harmonia com o que o estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana.6 Destarte, restou evidente que no caso dos autos há duas filiações, nitidamente estabelecidas, uma biológica e registral e outra socioafetiva. Qual delas deve prevalecer? É possível a dupla paternidade? DA MULTIPARENTALIDADE: Filiação e parentalidade são temas que não podem ser descritos individualmente. Ambos estão interligados com o invisível cordão umbilical do afeto e do melhor interesse da família. A verdadeira filiação é aquela que emerge da afetividade, independentemente das origens genéticas, não se admitindo qualquer discriminação, de modo que de acordo com a Constituição Federal são iguais em direitos e em obrigações. O direito ao reconhecimento da MULTIPARENTALIDADE está embasado nos direitos da personalidade, que se visualizam através da imagem que se tem, honra e também privacidade da vida, direitos estes que se revestem essenciais à própria condição humana. Paulo Luiz Netto Lobo sustenta que a afetividade e, consequentemente a filiação afetiva tem fundamento constitucional, de modo que baseado nos artigos 227, §§ 5 e 6° e art. 226, § 4° conclui afirmando que: A Constituição não tutela apenas a família matrimonializada e não estabelece mais distinção entre filhos biológicos e filhos adotivos. As pessoas que se unem em comunhão de afeto, não podendo ou não querendo ter filhos, é família protegida pela Constituição. A igualdade entre filhos biológicos e adotivos implodiu o fundamento da filiação genética. A concepção de família, a partir de um único pai ou mãe e seus filhos, eleva-os à mesma dignidade da família matrimonializada. O que há de comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação entre eles fundada no afeto.7 Neste sentido Belmiro Pedro Welter sustenta que afiliação afetiva também ocorre naqueles casos em que, mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico (adoção), os pais criam uma criança por mera opção, denominado filho de criação, (des)velando-lhe todo o cuidado, amor, ternura, enfim uma família, cuja “mola mestra é o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto. É o que diz o art. 227, § 6º da Constituição Federal: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Não se ignora aqui a polêmica que ainda paira sobre a temática. A jurisprudência contempla raríssimos casos de pluriparentalidade. Sob outro prisma não está ignorado o fato do requerente responder a processo criminal no qual é apontado como co-autor e/ou participe de crime de homicídio qualificado que tem como vítima o seu “pai de criação”. Destarte, não se trata, evidentemente, de criar situações jurídicas inovadoras, fora da abrangência dos princípios constitucionais e legais. Trata-se de um fenômeno de nossos tempos, da pluralidade de modelos familiares, das famílias reconstituídas, que precisa ser enfrentado também pelo Direito. São situações em que crianças e adolescentes acabam, na vida real, tendo efetivamente dois pais ou duas mães. Vale destacar a doutrina de Belmiro Pedro Welter, para quem é possível atribuir efeitos jurídicos a duas paternidades, na medida em que a condição humana é tridimensional, vale dizer, é genética, é afetiva e é ontológica. A compreensão do ser humano não é efetivada somente pelo comportamento com o mundo das coisas (mundo genético), como até agora tem sido sustentado na cultura jurídica do mundo ocidental, mas também pelo modo de ser-em-família e em sociedade (mundo desafetivo) e pelo próprio modo de relacionar consigo mesmo (mundo ontológico). No século XXI é preciso reconhecer que a família não é formada como outrora, com a finalidade de procriação, mas, essencialmente, com a liberdade de constituição democrática, afastando-se os conceitos prévios, principalmente religiosos, na medida em que família é linguagem, diálogo, conversação infinita e modos de ser-nomundo-genético, de ser-no-mundo- (des)afetivo e de ser-no-mundo-ontológico. O ser humano não existe só, porquanto, nas palavras heideggerianas, “ele existe para si (Eigenwelt): consciência de si; ele existe para os outros (Mitwelt): consciência das consciências dos outros; ele existe para as entidades que rodeiam os indivíduos (Umwelt). Existência se dá no interjogo dessas existências. Mas o Ser deve cuidar-se para não ser tragado pelo mundo-dos-outros e isentarse da responsabilidade individual de escolher seu existir”8 A Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, atual Corregedora Geral de Justiça, esclarece que Ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. – Com fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano.9 Alguns casos concretos que chegaram aos tribunais levaram a decisões completamente antagônicas. Num primeiro caso, o Tribunal de Justiça de Rondônia concluiu pela impossibilidade de reconhecimento simultâneo da dupla paternidade, por entender que não há previsão legal para estas situações. Apelação. Paternidade afetiva e biológica. Duplo reconhecimento. Pais diferentes. Ausência de previsão legal. A convivência familiar e a afetividade constroem e consolidam o estado de filiação, independentemente de provimento judicial. A configuração do estado de filiação ocorre quando o menor se coloca na posição de filho, em face daquele que assume o papel de pai, não importando a natureza do vínculo existente, se biológico ou de fato. Se não há previsão legal para o reconhecimento concomitante e averbação no registro de nascimento de dupla paternidade, a afetiva e a biológica, o recurso do Ministério Público deve ser desprovido. (Tribunal de Justiça de Rondônia. Apelação Cível Nº 0005041-07.2012.8.22.0002, 1ª Câmara Cível, Relator: Des. Sansão Saldanha, julgado em 19/07/2001) Em outro caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, concluiu pela possibilidade do reconhecimento da paternidade biológica, quando já estava assentada a paternidade socioafetiva. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO ATRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70029363918, Oitava Câmara Cível, Relator: Des. Claudir Fidelis Faccenda. Julgado em 07/05/2009). A doutrina vem caminhando no mesmo sentido, ou seja, no sentido de cada vez mais reconhecer a possibilidade, pelo menos em casos excepcionais, a dupla paternidade ou maternidade. Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de TODOS os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória da vida humana. Quanto aos efeitos do reconhecimento da paternidade socioafetiva, ao contrário do que decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que embora reconhecendo a possibilidade da dupla paternidade, manteve o registro original, sem a inclusão do nome do pai biológico, entendo que esta não é a solução que melhor atenda aos interesses no caso em análise. A solução que me parece ser a mais razoável, a despeito da não concordância da genitora biológica do requerente, é a de manter a paternidade já assentada e incluir também no referido registro a paternidade socioafetiva. A lei 11.924/09 inseriu o § 8º no artigo 57 da Lei dos Registros Públicos (6.015/73), dispõe: O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2° e 7° deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. Ora, se a Lei permite incluir no assento de nascimento o patronímico de quem não é pai, com mais razão ainda se justifica que se inclua no assento de nascimento daquele que efetivamente é reconhecido como pai. Além disso, uma vez reconhecida a paternidade, esta não pode ser uma meia paternidade ou uma paternidade parcial. Se é pai, obviamente, é pai para todos os efeitos e não apenas para alguns efeitos. No caso dos autos a situação é até relativamente cômoda, na medida em que ambos já faleceram e os efeitos serão meramente patrimoniais. Por tais razões, levando também em consideração a importância que o registro representa para o adotando, que não há prevalência entre a paternidade exercida pelo requerente (socioafetiva) e pelo genitor (biológica e socioafetiva), em especial, que o registro deve representar o que ocorre na vida real, não vejo razão para que não constem do registro o nome dos dois pais. Outro aspecto a ser ponderado, é o de que, no caso específico, poderia reconhecer a paternidade socioafetiva, pura e simplesmente, determinando a retificação do registro civil, com a inclusão do pai socioafetivo. A dúvida que poderia surgir seria quanto ao rompimento dos vínculos com os pais biológicos e demais parentes. O art. 41, do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a adoção rompe todos os vínculos com a família de origem, com exceção dos impedimentos matrimoniais. A regra, no entanto, não é absoluta, de modo que o próprio ECA, no mesmo artigo (§ 1°), abre a possibilidade de exceções e uma delas é, justamente, quando o cônjuge adota o filho do outro, caso em que os vínculos não são rompidos. No caso dos autos, a exceção evidentemente não trará maiores consequências, vez que o genitor, o pai socioafetivo e a mãe socioafetiva já faleceram, apenas subsistirá o efeito patrimonial. De outra monta, cabe pontuar, por pertinente, que a indignidade se revela como exclusão do herdeiro pela prática de atos criminosos ou ofensivos contra o autor da herança. Já era tal a definição de Clóvis Beviláqua: “Indignidade é a privação do direito hereditário cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou aos interesses do hereditando.” Quem está incurso em falta grave contra o de cujus, resta indigno de receber seu quinhão. Os fatos típicos que acarretam a indignidade e, ipso facto, a perda do direito sucessório em relação a determinado de cujus estão expressos no art. 1.814 do CC10. É um dos casos raros de morte civil, reminiscência aliás, do Direito Romano, ao ponto, de o art. 1.816 CC chega a enunciarque “como se morte fosse” referindo-se ao indigno. A rigor, não há incapacidade de receber a herança, posto que contemplada o herdeiro no rol de vocação sucessória. Todavia, é contrária a moral humana que o ofensor, ou o que prejudicou o falecido, seja, após, então favorecido com os bens que este tinha. No entanto, são pessoais os efeitos da exclusão por indignidade, posto que os descendentes do herdeiro sucedem (por representação), e se forem menores, para a efetividade da punição, não poderá o indigno deter a administração dos bens herdados. Cabe ressaltar que para a configuração primeira causa, crime de atentado contra a vida da pessoa falecida, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, desde que presente o elemento dolo, ou o animus necandi, na conduta do herdeiro, não se exige a condenação penal para se tipificar a indignidade, basta a prova da ocorrência do atentado contra a vida para sua efetiva aplicação. É certo, porém, que havendo a condenação criminal, não discute mais a legitimidade da exclusão sucessória. De outra monta, é curial que se houver excludente de criminalidade tais como legitima defesa, estado de necessidade, fica afastada a pena de indignidade, entretanto esta matéria deverá ser objeto de ação e decisão própria. Recentemente houve um julgamento no Estado de Rondônia, no qual se buscava desconstituir a paternidade registral e o reconhecimento da paternidade biológica. Neste caso específico, cuidava-se de adoção à brasileira, em que a criança havia sido registrada e criada pelo ex-companheiro de sua mãe. Com o resultado do exame de DNA, esta criança teria passado a conviver também com o genitor, mas considerava seu pai aquele que a havia registrado. Tanto o pai registral quanto o genitor mostravam-se aptos e tinham vontade de serem, efetivamente, pais da infante. Assim, foi acolhida a tese de MULTIPARENTALIDADE, tendo sido mantido no registro de nascimento da criança tanto o nome do pai registral, quanto de seu genitor. Festejada decisão de primeira instância foi proferida em novembro de 2011, pela Juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, na 01ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes/RO, nos autos da ação de investigação de paternidade nº 0012530-95.2010.8.22.0002. Talvez, seja possível afirmar se tratar da primeira sentença que reconheceu e declarou a dupla paternidade propriamente dita de uma menina, fazendo constar em seu assento registral os nomes do pai biológico e afetivo da criança, sem prejuízo da manutenção do registro materno. Outro julgado, no TJSP, também decidiu pela MULTIPARENTALIDADE: Maternidade Socioafetiva: – Preservação da maternidade biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse de estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes. A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido. (AP. Civ. TJSP, 0006422- 26.2011.8.26.0286, rel. Dês. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, 1ª Câmara de Direito Privado, 12.08.2012) DISPOSITIVO Isto posto JULGO PROCEDENTE o pedido para DECLARAR A. M. D. O. como PAI AFETIVO de F. T. D. F., bem como reconhecer F. T. D. como pai biológico de F. T. D. F.. Destarte, DECLARO que tanto F. T. D. quanto A. M. D. O. são pais de F. T. D. F., e como consequência deverá constar em seu registro de nascimento a dupla paternidade, vez que reconhecida a Multiparentalidade no caso em tela. CONDENO o requerido no pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), nos termos do art. 20,§ 4º do CPC. Transitada esta em julgado, expeça-se o mandado para inscrição no Registro Civil competente, no qual seja consignado, para além do registro do pai e mãe biológicos, o nome de A. M. D. O. como pai, bem como dos ascendentes, arquivando-se esse mandado, após a complementação do registro original do requerente. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Expedientes necessários. Pereiro/CE, 30 de março de 2015. Magno Rocha Thé Mota – Juiz de Direito Auxiliar da 4ª ZJ””.- INT. DR(S). JOSE ALEIXON MOREIRA DE FREITAS , PAULO NAPOLEAO GONCALVES QUEZADO

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