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TJPR: Família substituta

Ascom

(…) Ao conceituar a família substituta, Rodrigo da Cunha Pereira adverte que “a partir desta expressão, passou-se a admitir que a família biológica nem sempre é que terá a guarda ou tutela dos filhos, reforçando o conceito introduzido pelo jurista mineiro João Baptista Villela, em 1979, da desbiologização da paternidade” (Dicionário de Direito de Família e Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 321).
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0090 . Processo/Prot: 1555917-6 Agravo de Instrumento
. Protocolo: 2016/178818. Comarca: Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Vara: 2ª Vara da Infância e da Juventude e Adoção. Ação Originária: 0009398-12.2016.8.16.0188 Medida de Proteção. Agravante: A. C. M. R., C. A. O. R.. Advogado: Norberto José Rossi. Agravado: M. P. E. P.. Advogado: Juliana Gonçalves Krause. Interessado: G. B. R., K. V. B. R.. Órgão Julgador: 12ª Câmara Cível. Relator: Desª Joeci Machado Camargo. Despacho: Cumpra-se o venerando despacho.
Vistos. 1. Trata-se de agravo por instrumento manejado por A. C. M. R. e C. A. O. R. com o objetivo de ver reformada a r. decisão lançada pelo MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara da Infância e Juventude desta Capital, exarada na medida de proteção nº 9398- 12.2016.8.16.0188, que, sob a premissa da criança encontrarse na companhia de pessoas alheias ao seu contexto familiar que visam realizar futura adoção intuito personae, determinou a busca e apreensão da criança e seu acolhimento institucional. A decisão foi lançada nos seguintes termos: “Constou no processo que tramita neste Juízo o pedido de Guarda n. 0001309-97.2016.8.16.0188 formulado por A. C. M. R. e C. A. de O. R. em favor da infante K. V.. Foi informado naquele processo que A. e C. acolheram a infante em razão de situação de risco por ela enfrentada, consubstanciada em total abandono pela genitora que não conseguia oferecer os mínimos cuidados àquela. Realizado estudo técnico naquele processo, verificou-se que a infante K. V. está em situação irregular junto aos atuais guardiões e que o vínculo entre eles não está fortalecido (evento 9.1). O Ministério Público requereu a concessão da tutela provisória de urgência em caráter antecedente, além de requerer outras providências (evento 1.1). (…) Do exame do pedido inicial e dos documentos que o acompanham, em cognição sumária, observa-se que a infante se encontra na companhia de pessoas alheias ao seu contexto familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, na impossibilidade de manutenção das crianças na família natural, deve ser averiguada a possibilidade de inserção da criança na família extensa (ECA, art. 19, § 3º), antes de seu encaminhamento a família substituta devidamente cadastrada. Todavia, em que pesem a notícia e os indícios aparentes de que K. V. está sendo bem cuidada pelos guardiões fáticos, a guarda, para terceiros, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem caráter excepcional e não deve ser concedida na ausência de qualquer vínculo de parentesco ou vínculo de afinidade entre a criança e os pretendentes. O contexto fático que se extrai do processo de Guarda n. 0001309-97.2016.8.16.0188, ao contrário, dá conta da existência de um pedido de guarda e uma intenção de futura adoção intuito personae da infante. Ademais, os atuais guardiões não possuem qualquer vínculo biológico com K. V. que possa autorizar a manutenção naquela família, seja pela guarda ou futura adoção. Assim, verifica-se, por ora, que a busca e apreensão e acolhimento institucional em relação à infante K. V. é a medida que se impõe” (fls. 68/70). Sustentam os recorrentes, ab initio, a nulidade da decisão agravada, por falta de fundamentação materializada na ausência de apreciação do que efetivamente se pediu. Asseveram que a decisão tem por fundamento laudo psicossocial no qual consta a equivocada afirmação de que os recorrentes ingressaram com a ação de guarda da criança tendo como escopo futuro a adoção intuitu personae, fato este que levou o laudo a ser impugnado pelos agravantes, restando a decisão agravada absolutamente omissa quanto a impugnação apresentada, em evidente confronto às disposições do novo Código de Processo Civil. No mérito, alega que a decisão guerreada desconsiderou o melhor interesse da criança, princípio norteador de toda o regramento jurídico inerente à criança e ao adolescente, além de ser contraditória em si mesma, posto que, de um lado, reconhece que a criança está bem cuidada na residência dos recorrentes, e de outro, determina sua busca, apreensão e abrigamento. Aponta que o Juízo a quo sequer ouviu a mãe da criança, quem concorda e sempre concordou com a guarda fática que vinha sendo exercida pelos recorrentes. Reitera que não há interesse dos agravantes em adotar a criança, como consta da r. decisão, e que a efetivação desta retira a criança “da boa vida que levava na residência dos agravantes” para colocá-la no abandono de um abrigo. Embasado em tais razões, requerem liminarmente a suspensão da decisão agravada, com o respectivo retorno da criança a sua residência, e, ao final, o provimento do recurso para que a infante permaneça com os recorrentes até o julgamento de mérito da ação de guarda por eles ajuizada. 2. Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos inerentes à espécie, o recurso merece ser processado. Dispõe o art. 1.019, I, do Código de Processo Civil que o relator do agravo de instrumento “poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão”. Para tanto, exige-se a presença dos requisitos constantes do art. 995, parágrafo único, do mesmo Código, nomeadamente o risco de dano grave (periculum in mora) e a probabilidade de provimento do recurso (fumus boni iuris). Na espécie, inegável a presença do periculum in mora, consubstanciado no fato de que a criança, que até hoje residia com os recorrentes, fora subitamente retirada do local que conhecia como lar e encaminhada a uma instituição de abrigamento. A concessão do almejado efeito suspensivo depende, portanto da presença de fumus boni iuris, que consiste, na espécie, em verificar se, até o julgamento de mérito da ação de regulamentação de guarda nº 1309-97.2016.8.16.0188, o melhor interesse da criança está em permanecer sob a guarda fática dos recorrentes ou acolhida em instituição de abrigamento. As demais questões relativas à decisão agravada serão analisadas por oportunidade do julgamento do mérito recursal. Há três elementos centrais que permitem dirimir a questão: a) a condição em que a criança se encontrava quando na 5 – mb guarda dos recorrentes; b) a capacidade da instituição de abrigamento em realizar seus interesses de forma potencializada. Quanto a condição da criança na companhia dos recorrentes, a própria decisão assenta que “a notícia e os indícios aparentes de que K. V. está sendo bem cuidada pelos guardiões fáticos” (fl. 69). As boas condições, materiais e emocionais, deferidas pelos recorrentes à criança são também corroboradas pelas fotos carreadas às fls. 205/213. Ainda, à fl. 44, o laudo psicossocial afirma que a recorrente tenta por diversas vezes entrar em contato com a genitora da criança e sempre permite que esta visite sua filha, como forma de manter os laços materno-filiais, sabidamente benéficos ao desenvolvimento da criança. De outro lado, em que pese ainda não existir nos presentes autos notícia quanto a condição da criança na instituição de abrigamento, não parece ser esta a solução que melhor atenda aos interesses da criança neste momento. Em um, consigno que o próprio ECA define o abrigamento como medida temporária e excepcional (“Art. § 1o O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade”). Veja-se, portanto, que o abrigamento é apenas um meio para se atingir um fim, plasmado na reinserção da criança em sua família ou sua inserção em família substituta. O que se extrai da r. decisão é que esta preferiu o meio ao fim, retirando a criança de uma família substituta para encaminhá-la ao abrigamento. Ao conceituar a família substituta, Rodrigo da Cunha Pereira adverte que “a partir desta expressão, passou-se a admitir que a família biológica nem sempre é que terá a guarda ou tutela dos filhos, reforçando o conceito introduzido pelo jurista mineiro João Baptista Villela, em 1979, da desbiologização da paternidade” (Dicionário de Direito de Família e Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 321). É o caso dos autos. Sendo os recorrentes a família substituta que acolheu a criança em momento de necessidade, restou efetivado, ao que consta dos autos até o presente momento, o objetivo normativo da proteção integral da criança, com sua inserção em família substituta. Para além da excepcionalidade do abrigamento, salutar consignar que, de acordo com dados do CNJ, no ano de 2014 existiam 36.032 crianças abrigadas no Brasil, o que evidencia que não é o abrigamento o caminho mais efetivo para a reinserção familiar da criança, seja pela adoção seja por outro meio. O caso concreto espelha esta realidade: na entrevista com a genitora da criança em tela, constatouse que ela própria fora abrigada aos cinco anos de idade, onde permaneceu até os 18 anos (fl. 42). Além de não atingir a adoção, foi afastada de qualquer convívio familiar e ainda relata que sofreu diversos abusos enquanto abrigada, razão que a levou a entregar a filha aos recorrentes, justamente para evitar que a filha passasse pela mesma situação que teve de suportar durante toda sua infância e juventude. Desta sorte, ao menos em sede de cognição sumária, resta indene de dúvidas que o melhor interesse da criança está em continuar aos cuidados dos recorrentes até ulterior decisão da ação de guarda por eles ajuizada. Por tais razões, concedo efeito suspensivo ao presente recurso, determinando a imediata devolução da criança aos recorrentes, até ulterior decisão pelo órgão Colegiado. 3. Dê-se ciência ao Juízo a quo, com urgência, para que providencie os atos necessários ao cumprimento desta decisão. 4. A fim de garantir o pleno exercício do direito de defesa, intime-se o M. P. E. P. para os fins contidos no art. 1.019, II, do CPC. 5. Ultimado o prazo supra, encaminhem-se os autos à Procuradoria Geral de Justiça, voltando conclusos na sequência. Intimem-se. Curitiba, 05 de julho de 2016. Desª Joeci Machado Camargo – Relatora
IDMATERIA1148123IDMATERIA
III Divisão de Processo Cível
Seção da 12ª Câmara Cível
Relação No. 2016.07687

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