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Polêmicas em torno do conceito de paternidade no Brasil

Ascom

Nesse dia dos pais, Rodrigo da Cunha Pereira lembra que paternidade pode se desprender do biológico e do gênero.

Para comemorar o dia dos pais este ano, a empresa Natura criou a hashtag #MEUPAIPRESENTE que conta com os influenciadores Thammy Miranda e Babu Santana para a campanha nas redes sociais. Henrique Fogaça, Rafael Zulu, Fernando Ferraz e Rodrigo Capita são alguns dos outros perfis que participam da ação. A proposta é mostrar pais e filhos reais em vídeos captados remotamente nesse momento de isolamento social.

A polêmica se instaurou nas redes sociais pela presença de Tammy, homem transsexual, que aparece em casa cuidando  do seu filho Bento. O vídeo recebeu milhares de visualizações com repercussão negativa em grupos conservadores que propagavam boicote à marca pela presença de um homem trans na campanha.

Como explica o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, especialista em Direito de Família e Sucessões, há pessoas que não se identificam com o gênero de sua anatomia. “Como se não bastasse o sofrimento gerado por esse conflito interno, sofrem também uma condenação social por terem nascido diferente da maioria das pessoas”, afirma.

Ele chama a atenção que a parentalidade está mais ligada a uma função do que propriamente a uma relação biológica. “Assim, o pai que educa e sustenta não é necessariamente o biológico. O filho pode ser adotivo ou advindo de uma inseminação artificial heteróloga. Sua função não é essencialmente reprodutiva: ele pode ser o transmissor de um nome de um patrimônio, pode ter uma função econômica e social”, ressalta.

Sobre a hashtag #paipresente o advogado avalia que o princípio da paternidade responsável interessa não apenas às relações interprivadas, mas também ao Estado, na medida em que a irresponsabilidade paterna, somada às questões econômicas, tem gerado milhares de crianças de rua e na rua.

“O pai pode exercer todas essas funções, inclusive a maternagem, mas elas constituem, na verdade, uma consequência, ou um derivado da função básica de um pai e que está na essência de toda cultura e de todos os tempos: o pai, ou melhor, ‘um’ pai que exerça a função de representante da lei básica e primeira, essencial a que todo ser possa humanizar-se através da linguagem e tornar-se sujeito. Esse pai, como se disse, não é necessariamente o genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o ‘outro’ que possibilita ao filho o acesso à cultura”, explica.

“Em outras palavras, a partir do momento em que a paternidade for considerada em sua essência, desbiologizada e vista como função, o pensamento jurídico terá que se reestruturar, inclusive para dar novos rumos às ações de investigação de paternidade”, completa.

Impactos na sociedade

Com tantas crianças abandonadas afetivamente no País, problemas sociais começam a acontecer. “O descompromisso de pais com seus filhos, independentemente do divórcio, tem sido tão frequente em nossa realidade brasileira que já se tornou um ‘sintoma’ de nosso tempo”, destaca Rodrigo da Cunha.

“Dificilmente a mãe abandona um filho, a não ser em situações trágicas, ou quando o entrega à adoção, o que pode significar um ato de responsabilidade e atendimento ao princípio da paternidade responsável. Enfim, a responsabilidade é um princípio jurídico e deve ser observada e respeitada em todas as relações jurídicas, especialmente nas relações familiares entre pais e filhos”, enfatiza.

Ele ainda complementa. “Pai e mãe não podem se divorciar de seus filhos e devem ser responsabilizados pelo não exercício do dever de criar, colocar limites, enfim dar afeto, não apenas no sentido de sentimento, mas principalmente de uma conduta e uma ação de cuidado, proteção e educação. O CNJ por meio do Provimento n. 16 bem como o alcance social e os alentadores resultados do chamado ‘Programa Pai Presente’, instituído pelo Provimento n. 12, de 06 de agosto de 2010, propiciaram resultado positivo na obtenção do reconhecimento da paternidade de alunos matriculados na rede de ensino”, diz.

Com relação aos impactos causados nas crianças que crescem sem a figura paterna, o advogado diz que depende da realidade subjacente. Por exemplo, para o estabelecimento do vínculo de parentalidade basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética.

De acordo com ele, a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, já que família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente.

“Nas relações parentais, o princípio da responsabilidade está presente principalmente entre pais e filhos. Os pais são responsáveis pela criação, educação e sustento material e afetiva de seus filhos (Art. 1.634, CCB). Além de princípio, a responsabilidade é também regra jurídica”, finaliza.

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