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TJSP: Curatela

Ronner Botelho

(…) No mesmo sentido: (…) o procedimento de interdição (ou de curatela) continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo econômico ou patrimonial, como bem acentuou Rodrigo da Cunha Pereira.

Processo 0013042-61.2010.8.26.0198 – Interdição – Capacidade – Ministério Público do Estado de São Paulo – E.S. – D. B.S. – É O RELATÓRIO DECIDO Diante do contexto fático-jurídico, uma primeira observação que se faz é a de que, com base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo ratificados pelo Congresso Nacional em conformidade com o procedimento previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal , foi editado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Aludido diploma, vale ressaltar conforme boa parte da doutrina, traduziu uma verdadeira conquista social, ao inaugurar um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis. Inclusive, dentre as diversas alterações promovidas pela aludida legislação, a mais sensível delas diz respeito ao regramento da capacidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que, atualmente, são tidos como absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos de idade (artigo 3º do Código Civil). Destarte, todas as outras incapacidades, agora, são apenas de caráter relativo, consoante a nova redação dos artigos 3º e 4º, do Código Civil: (…) não existe mais, no sistema privado brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Como consequência, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são interditados. Todas as pessoas com deficiência, das quais tratava o comando anterior, passam a ser, em regra, plenamente capazes para o Direito Civil, o que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua dignidade. Merece destaque, para demonstrar tal afirmação, o art. 6ºda Lei 13.146/2015, segundo o qual a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: a) casar-se e constituir união estável; b) exercer direitos sexuais e reprodutivos; c) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; d) conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; e) exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e f) exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (TARTUCE, Flávio. Extraído do site \, em 19.01.2018). Note-se que tal situação, indubitavelmente, traz consequências às interdições, que passaram a ser mais restritas do que outrora, porém sem excluí-las do ordenamento jurídico: Mediante uma interpretação sistemática dos arts. 84 e 85, à luz dos princípios e regras que figuram na LBI e na CDDPD, (…) a curatela deixa de ser a regra e passa a ser medida extraordinária e apenas para certos atos (patrimoniais e que forem descritos na sentença) (…) (FERRAZ, Carolina Valença; e LEITE, Glauber Salomão. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 81). No mesmo sentido: (…) o procedimento de interdição (ou de curatela) continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo econômico ou patrimonial, como bem acentuou Rodrigo da Cunha Pereira. É o fim, portanto, não do procedimento de interdição, mas sim, dostandard tradicional da interdição, em virtude do fenômeno da flexibilização da curatela, anunciado por Célia Barbosa Abreu. Vale dizer, a curatela estará mais personalizada, ajustada à efetiva necessidade daquele que se pretende proteger (…) (GAGLIANO, Pablo Stolze. extraído do site \, em 19.01.2018). Por fim, não se pode esquecer que a permanência do procedimento de interdição é de suma importância, por se tratar de instituto de proteção ao incapaz: Essa específica curatela tem natureza, portanto, de medida protetiva e não de interdição de exercício de direitos. Apenas afetará os negócios jurídicos relacionados aos direitos de natureza patrimonial. A curatela não alcança nem restringe os direitos de família (inclusive de de se casar, de ter filhos e exercer os direitos da parentalidade), do trabalho, eleitoral (de votar e ser votado) (…) (COLTRO, Antonio Carlos Mathias. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 328). Assim, verifica-se que, no caso em comento, a manutenção de curatela da interdita é a medida de rigor na espécie. Com efeito, no laudo oficial, o perito judicial constatou a seguinte situação sobre as condições gerais da interditanda: Não tem condições mentais para comprar ou vender bens de grande valor, mas, pode comprar alimentos e objetos de uso pessoal; não tem condições mentais para conduzir veículos, administrar, por si só, conta bancária, talão de cheques ou cartão de crédito, inclusive porque pode ser facilmente influenciada em detrimento de seu bem estar físico, mental, emocional e financeiro ou fazer aquisições acima das suas posses, estando vulnerável à instrumentalização e indução de terceiros para gastos, compras, empréstimos e doações indevidas e prejudiciais, mas, pode portar somas de dinheiro suficientes para gastos triviais, incluindo transporte e lazer, além de produtos de higiene e vestuário. Não tem condições de assumir responsabilidades, principalmente no que diz respeito a menores impúberes. Não tem condições de exercer qualquer atividade executiva, complexa e elaborada, mas, pode exercer atividade laborativa do tipo braçal que lhe garanta a subsistência. O comprometimento psíquico acarretou incongruência afetiva, diminuição das capacidades de análise, interpretação e abstração. Tem condições de constituir ou desfazer matrimônio. Tem condições de opinar sobre sua curadora.” (fl. 376). E, diante de tal quadro, o laudo pericial atesta, com segurança e coerência, que a anormalidade psíquica da interdita persiste, sendo ela portadora de psicose esquizoafetiva (CID 10: F-25) e deficit cognitivo orgânico leve (F-06.7), com parcial comprometimento das capacidades de discernimento, entendimento e determinação, sendo considerada, sob a ótica médico-legal, relativamente incapaz para os atos da vida civil de natureza patrimonial (fls. 373/377). Portanto, os elementos de prova constantes dos autos não permitem acolher o pedido de levantamento da interdição pretendido pela curadora D. B. S G., mas sim, apenas converter a interdição absoluta em relativa, ante a constatação feita pelo perito que é relativamente incapaz e se encontra (…) dependente de terceiros em caráter permanente (fl. 376). Cabe apenas assentar, mais uma vez, que o instituto protetivo da curatela somente afeta os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, nos termos do artigo 85, caput, da Lei 13.146/2015, não se revelando necessária a assistência da interdita para a realização de quaisquer atos existenciais (artigo 85, § 1º, da Lei 13.146/2015). Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de levantamento de interdição, mas, em contrapartida, CONVERTO a interdição absoluta em relativa, para o fim declarar E. S., relativamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil de natureza patrimonial e negocial, na forma dos artigos 4º, inciso III, e 1.767, inciso I, ambos do Código Civil. Por ora, deixo de determinar a averbação no Registro Civil competente e a publicação na imprensa oficial, conforme preceitua o artigo 755, § 3º, do Código de Processo Civil, bem como artigo 9º, inciso III, do Código Civil, providências ainda não cumpridas nos autos, porquanto ainda pendente a definição sobre a manutenção ou substituição da curatela. Quanto a esse tema, acolho o requerimento ministerial contido no último parágrafo do parecer de fls. 383/384, determinando que se intime a curadora D. B.S. G., por intermédio do DJE, para que indique, em cinco dias, parente da interdita, suscetível ao cargo de curador. P.I.C. – ADV: DAMARIS BACCELLI SILVA GHENDOV (OAB 224151/SP)

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