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STJ: Divórcio

Ronner Botelho

(…) Nesse contexto, levando em consideração que o divórcio pode ser prontamente decretado sem a necessidade de maiores delongas, a doutrina e a jurisprudência pátrias passaram a admitir sua concessão em sede de tutela antecipada, valendo destacar as considerações de Mário Luiz Delgado ao comentar sobre o tema do Divórcio Judicial Litigioso (in, Tratado de Direito das Famílias/Rodrigo da Cunha Pereira – organizador -, 2a edição. Belo Horizonte: IBDFAM, 2016, pág. 663)

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2.168.099 – BA (2022/0215281-4) DECISÃO Cuida-se de agravo apresentado por L T O L contra a decisão que não admitiu seu recurso especial. O apelo nobre, fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea a da CF/88, visa reformar acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, assim resumido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA. MATÉRIA NÃO ARGUIDA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. INVIABILIDADE DE APRECIAÇÃO . HIPÓTESE DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO. PEDIDO LIMINAR DE DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE – DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO DIRETO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. INTELIGÊNCIA DA NOVA REDAÇÃO DADA AO ARTIGO 226, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, A POSSIBILITAR O DIVÓRCIO SEMPRE DIRETO E IMOTIVADO. RECURSO NÃO CONHECIDO EM PARTE E NA PARTE CONHECIDA RECURSO IMPROVIDO. Quanto à controvérsia, alega violação dos arts. 300, 311, 356, I e II, 693, 694 e 695 do CPC, no que concerne à ilegalidade da liminar de divórcio concedida sem prévia análise do pedido contestatório e da realização de audiência de conciliação, trazendo os seguintes argumentos: Como se viu, o aresto recorrido admitiu a possibilidade processual de sentença parcial de mérito com decretação liminar do divórcio, prolatada antes mesmo de haver citação da parte ré a esposa agravante/recorrente e antes da obrigatória audiência de conciliação e mediação prevista nos arts. 694 e 695, do CPC/2015. […] 13. Data venia, é evidente o descabimento da decretação do divórcio em sentença parcial de mérito, no momento processual em que ocorreu e sem cumprir a norma cogente do CPC. 14. Com efeito. Em primeiro lugar, não há que se confundir a sentença parcial de mérito, cujos indispensáveis pressupostos se encontram nos incisos I e II do art. 356, do CPC/2015, com a tutela de urgência (art. 300, do CPC) ou tutela de evidência (art. 311, do CPC). 15. Como bem deflui do art. 356, do nCPC, a sentença parcial de mérito somente pode ser proferida quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles se mostrar incontroverso ou estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. 16. Nenhuma das hipóteses ocorreu no presente caso, daí a ilegalidade do aresto estadual recorrido. […] 18. Assim, a ilegalidade do acórdão recorrido se torna evidente, quando se percebe que somente seria possível saber se haveria ou não algum pedido incontroverso, depois de a ré/agravante/recorrente apresentar a sua defesa, o que somente ocorreu depois de haver sido prolatada a decisão agravada mantida pela Corte Estadual, em momento seguinte à realização da primeira audiência de conciliação, que também foi realizada depois da mesma sentença parcial de mérito, num tumulto processual inadmissível e cabalmente vedado pelo CPC, que, in casu, foi rasgado pelo Tribunal de Justiça da Bahia. […] 21. Por sua vez, para incidir o item II, do art. 356, do nCPC, também teria que se verificar sobre a existência ou não de necessidade de outras provas ou na hipótese de réu revel, o que cabalmente não era, nem é a situação do processo. 22. Logo, era e é inaplicável ao caso sub judice o disposto no art. 356, inciso I, do CPC/2015, que foi violado escancaradamente pela Corte Estadual, no aresto recorrido. 23. Daí porque, no presente caso, não havia, nem há possibilidade de decretação antecipada do divórcio do casal, mormente antes de se cumprirem as exigências processuais previstas no art. 356, do CPC/2015, que cabalmente restou violado pela Corte Baiana. 24. Além disso, ou seja, de não ser a hipótese do momento processual da sentença parcial de mérito, tratando-se de ação de divórcio como, de resto, de qualquer demanda de família o CPC/2015 estabeleceu regras cogentes aplicáveis ao processo de tais demandas, que se encontram entre os artigos 693 e 699, em que necessariamente se preveem que, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia (art. 694) cabendo a designação impositiva da audiência de mediação e conciliação (art. 695), o que bem evidencia a total impossibilidade de proferir-se sentença parcial de mérito em fase anterior à citação da acionada, ora recorrente. […] 28. O art. 693, do CPC/2015, também desrespeitado pela decisão da Corte Estadual, deixa claro que foi criado um procedimento especial para as ações de família, aplicável aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. 29. E tal procedimento especial é indisponível pelas partes e obrigatório para cumprimento, por óbvio, pelo Poder Judiciário. […] 32. Resta evidente que, especialmente nas ações de família, a sentença parcial de mérito somente pode ser prolatada depois da ocorrência frustrada da solução consensual na audiência prevista no art. 695, do CPC, e depois, obviamente, de oferecida a contestação pela parte ré, para que se possa aferir, se presentes ou não, as hipóteses do art. 356, do CPC. […] 34. Desse modo, não poderia ser prolatada a referida sentença parcial de mérito quando o foi, antes da citação, antes da audiência de conciliação e mediação e antes da apresentação de defesa, inclusive para que se pudesse aferir a competência do juízo e quais os pedidos seriam ou não incontroversos. […] 38. Como demonstrado no Agravo de Instrumento, in casu não estavam presentes os requisitos processuais dos incisos I e II do art. 356, do CPC/2015, assim como dos que regem a tutela de urgência (art. 300, do CPC) ou tutela de evidência (art. 311, do CPC), e houve violação às normas cogentes que regulam o procedimento especial das demandas de família, inclusive da ação de divórcio (arts. 693 e seguintes, do CPC), sendo que tal arcabouço legal e processual foi cabalmente violado pelo acórdão recorrido. (fls. 398-405). É, no essencial, o relatório. Decido. Na espécie, incide, por analogia, o óbice da Súmula n. 735/STF, pois, conforme a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, é inviável, em regra, a interposição de recurso especial que tenha por objeto o reexame do deferimento ou indeferimento de tutela provisória, cuja natureza precária permite sua reversão a qualquer momento pela instância a quo. Nesse sentido: “É sabido que as medidas liminares de natureza cautelar ou antecipatória são conferidas mediante cognição sumária e avaliação de verossimilhança. Logo, por não representarem pronunciamento definitivo a respeito do direito reclamado na demanda, são medidas suscetíveis de modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmadas ou revogadas pela sentença final. Em razão da natureza instável de decisão desse jaez, o STF sumulou entendimento segundo o qual”não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”(Súmula 735/STF). O juízo de valor precário, emitido na concessão de medida liminar, não tem o condão de ensejar a violação da legislação federal, o que implica o não cabimento do Recurso Especial, nos termos da referida Súmula 735/STF'”. ( AgInt no AREsp 1.598.838/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 21/8/2020.) Confira-se ainda o seguinte precedente: AgInt no AREsp 1.571.882/BA, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 01/07/2020; AgInt no REsp 1.830.644/RO, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 26/06/2020; AREsp 1.610.726/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 26/06/2020; AgInt no AREsp 1.621.446/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 27/04/2020; AgInt no AREsp 1.571.937/PA, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 13/04/2020. Ademais, o acórdão recorrido assim decidiu: No que concerne à insurgência acerca da decretação do divórcio, não se pode olvidar que com o advento da Emenda Constitucional n.º 66/2010, o divórcio tornou-se, em verdade, um direito potestativo daquele que não mais pretenda manter-se casado. Deve-se compreender o alcance da superveniente Emenda Constitucional n o 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º da Constituição Federal. A função, a razão de ser da EC 66/10 foi justamente colocar fim ao sistema dualista da extinção do matrimônio, que se fazia em duas etapas: a primeira da separação judicial, que extinguia a sociedade conjugal, e a segunda da conversão em divórcio, que extinguia o vínculo matrimonial. O divórcio, desde então, é sempre direto e imotivado: não há mais requisitos subjetivos (culpa) e nem objetivos (tempo). Repousa apenas no livre arbítrio de não mais querer permanecer casado, direito potestativo de qualquer dos cônjuges, não havendo ao outro como evitar a intervenção em sua esfera jurídica. Claro que o divórcio pode ser consensual ou litigioso: o litígio, porém, não diz respeito ao comando principal do pedido, mas sim a questões laterais a serem acertadas, como a guarda de filhos, visitas, uso do sobrenome, alimentos e partilha de bens. A ideia do legislador foi ampliar a autonomia privada no direito de família, permitindo a qualquer dos cônjuges terminar o casamento sem declinar os motivos e nem imputar ao outro conduta desairosa. Diga-se, de resto, que há duas décadas já afirmavam os tribunais a irracionalidade em se manter casado por falta de prova de culpa, quando não há mais afeto e nem desejo, ainda que apenas por parte de um dos cônjuges ( REsp 467.184, Min. Rui Rosado de Aguiar Júnior). Pode-se afirmar que o divórcio é direto e imotivado, verdadeiro direito potestativo, sem possibilidade de defesa a ser oposta pelo réu quanto ao comando principal, mas remanescem questões laterais alimentos, guarda de filhos, regime de visitas e partilha de bens que podem exigir complexa dilação probatória. Não parece sensato postergar o julgamento de questão incontroversa o divórcio até o acertamento de questões laterais de fato, que podem perdurar durante anos a fio. Em tais hipóteses, deve-se julgar desde logo a parte incontroversa, decretando o divórcio contra o qual não existe defesa hábil, com prosseguimento das matérias que exijam dilação probatória. Apenas para dirimir os pontos eventualmente conflitantes acerca de questões laterais é que o feito prosseguirá na origem. Nesse contexto, levando em consideração que o divórcio pode ser prontamente decretado sem a necessidade de maiores delongas, a doutrina e a jurisprudência pátrias passaram a admitir sua concessão em sede de tutela antecipada, valendo destacar as considerações de Mário Luiz Delgado ao comentar sobre o tema do Divórcio Judicial Litigioso (in, Tratado de Direito das Famílias/Rodrigo da Cunha Pereira – organizador -, 2ª edição. Belo Horizonte: IBDFAM, 2016, pág. 663) (fls. 343-344, grifos meus). Da análise dos autos, percebe-se que há fundamento constitucional autônomo no acórdão recorrido e não houve interposição do devido recurso ao Supremo Tribunal Federal. Aplicável, portanto, o óbice da Súmula n. 126/STJ, uma vez que é imprescindível a interposição de recurso extraordinário quando o acórdão recorrido possui, além de fundamento infraconstitucional, fundamento de natureza constitucional suficiente por si só para a manutenção do julgado. Nessa linha: “[…] firmado o acórdão recorrido em fundamentos constitucional e infraconstitucional, cada um suficiente, por si só, para manter inalterada a decisão, é ônus da parte recorrente a interposição tanto do Recurso Especial quanto do Recurso Extraordinário. A existência de fundamento constitucional autônomo não atacado por meio de Recurso Extraordinário enseja aplicação do óbice contido na Súmula 126/STJ”. ( AgInt no AREsp 1.581.363/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 21/8/2020.) A propósito: REsp 1.684.690/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 16/4/2019; AgRg no REsp 1.850.902/MT, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 29/6/2020; REsp 1.644.269/RS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, Dje de 7/8/2020; AgRg no REsp 1.855.895/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 23/6/2020; AgInt no AREsp 1.567.236/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 4/6/2020; AgInt no AREsp 1.627.369/PE, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 3/6/2020. Ante o exposto, com base no art. 21-E, V, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 12 de setembro de 2022. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Presidente

(STJ – AREsp: 2168099 BA 2022/0215281-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Publicação: DJ 14/09/2022)

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