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Desejo, inconsciente e Justiça – Direito de Família e Psicanálise

Ascom

Entrevista Rodrigo da Cunha Pereira para a revista IBDFAM

Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastros da infância.
(Contardo Calligaris – 1948-2021)

O afeto é o ponto de partida de muitos conflitos que chegam à Justiça e, reconhecido seu valor jurídico, passou a ocupar o devido lugar no Direito das Famílias contemporâneo. Fatores da ordem do inconsciente também se manifestam nas demandas judiciais e não podem ser desconsiderados pelos variados atores da área. Por isso, a relação entre Direito e Psicanálise é tão cara. Não há justiça, afinal, sem que cada caso seja analisado com atenção às peculiaridades dos sujeitos e aos desejos ocultos por detrás de seus atos

O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, é autor do livro Direito de Família – Uma Abordagem Psicanalítica, um divisor de águas nessa interdisciplinaridade. Ele também criou o conceito “Clínica do Direito”, que une a prática jurídica à Psicanálise com o objetivo de tratar de forma humanizada os temas do Direito de Família.

Segundo o especialista, uma das grandes contribuições da Psicanálise ao pensamento jurídico foi a introdução da noção de sujeito do inconsciente. “Isto, além de fazer-nos compreender que o sujeito de direitos é também um sujeito desejante, reforçou e consolidou a grande questão da história de todo homem: tornar-se sujeito, tomar as rédeas de seu destino e ser senhor de si. Diante disto, a Psicanálise, como discurso e como sistema de pensamento, desconstruiu fórmulas e dogmas jurídicos a partir da compreensão da sexualidade, do desejo e do inconsciente que forjam a nossa realidade psíquica e são também os motores e alavancas do Direito de Família.”

O advogado frisa que o “sujeito do Direito” é um “sujeito de desejo”, responsável por tecer as tramas do Direito de Família. “Portanto, na objetividade dos atos, fatos e negócios jurídicos permeiam uma subjetividade, impulsionada pela sexualidade, pela libido e pelo inconsciente, que é o que verdadeiramente faz restabelecer ou romper as relações jurídicas.”

Psicanálise e Direito

De acordo com o presidente do IBDFAM, a Psicanálise é fundamental em todas as áreas do Direito, e se faz ainda mais presente no Direito das Famílias. “Foi a Psicanálise que trouxe para o Direito a compreensão de que maternidade/paternidade são funções exercidas, fazendo surgir daí institutos jurídicos como guarda compartilhada, alienação parental, abandono afetivo etc.”

A Psicanálise também demonstrou que a parentalidade não está necessariamente vinculada à conjugalidade ou à sexualidade. Para Rodrigo da Cunha Pereira, faz-se necessário ter um olhar despido do preconceito atrelado à tradicional família patriarcal. “Na contemporaneidade, novas configurações familiares estão em curso, quer queiramos ou não, gostemos ou não. O Direito já absorveu que família é da ordem da cultura, e não da natureza. Por isso suas representações sociais, hoje, podem sofrer variações inimagináveis.”

Ele destaca o discurso psicanalítico, a partir das noções de desejo, inconsciente e responsabilidade, abriu as portas do Direito para introduzir o afeto como valor jurídico, tornando-se o princípio vetor e catalisador do Direito de Família. “A partir daí, pôde-se substituir o discurso da culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade.”

“Na esteira dessa evolução e compreensão é que o Direito de Família atribuiu ao afeto um valor jurídico. E é este sentimento, agora como um novo valor jurídico, que tem desinstalado velhas concepções e instalado uma nova ordem jurídica para a família. O princípio da afetividade no Direito de Família, consequência das mudanças paradigmáticas e interferência do discurso psicanalítico, obriga-nos a pensar um ordenamento jurídico para a família que revalorize e redimensione os princípios como uma fonte do Direito realmente eficaz e de aplicação prática.”

“Sem afeto, não se pode dizer que há família”, de acordo com o advogado. “Ou, onde falta o afeto, a família é uma desordem, ou mesmo uma desestrutura. O afeto ganhou status de valor jurídico e, consequentemente, foi elevado à categoria de princípio como resultado de uma construção histórica em que o discurso psicanalítico é um dos principais responsáveis. Afinal, o desejo e o amor são o esteio do laço conjugal e parental.”

Leia a matéria na íntegra na revista IBDFAM.

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